NÍSIA TRINDADE : ‘A Fiocruz nasceu para combater epidemias’

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Ao celebrar 120 anos de serviço à saúde pública (completados nesta segunda-feira, 25 de maio de 2020), a Fundação Oswaldo Cruz, orgulho da ciência produzida no Brasil, tem à frente pela primeira vez uma mulher, a socióloga Nísia Trindade. Não é difícil imaginar o alcance do papel da Fiocruz, uma instituição que nasceu para combater epidemias, neste momento de devastadora crise sanitária.

Nesta breve entrevista por e-mail, Nísia descreve o papel histórico da Fiocruz na defesa da saúde pública. Ela destacou a parceria da fundação com a UFRJ e agradeceu a solidariedade da comunidade científica diante dos ataques que a instituição que dirige e ela, pessoalmente, foram alvos das forças do obscurantismo.

Quais os desafios enfrentados pela Fiocruz, em pleno aniversário, e no meio da maior crise sanitária enfrentada pelo mundo?

Nísia – Eu vejo essa crise sanitária como uma crise humanitária. Este é o grande desafio do século 21 e a resposta a esta emergência se relaciona com o papel histórico desta instituição. É clara que gostaríamos que este fosse um momento de festa e comemoração, mas a Fiocruz tem um papel central no combate a epidemias no Brasil e vejo este momento como reafirmação desse compromisso.

A Fiocruz nasceu há 120 anos como Instituto Soroterápico Federal para combater as epidemias que a capital federal, o Rio de Janeiro, vivia no começo do século XX: a febre amarela, a peste bubônica e a varíola. Oswaldo Cruz foi um pioneiro em diversas medidas sanitárias nesta época, como o isolamento de doentes, a notificação compulsória dos casos positivos, a captura dos vetores – mosquitos e ratos -, e a desinfecção dos moradores e áreas de focos.

A instituição também esteve à frente do combate à gripe espanhola, com Carlos Chagas liderando este esforço. Como na pandemia que enfrentamos hoje, a gripe espanhola também tinha na quarentena e no isolamento sua principal forma de combate. Foi a partir da contribuição destes pioneiros, que a população brasileira passou a valorizar a ciência, ao ver que ela poderia trazer benefícios para a saúde e melhoria de vida da população.

Recentemente, vivemos outras epidemias, como o HIV, a dengue, a Chikungunya e a Zica, que teve o Brasil como epicentro. A luta pela saúde pública está no DNA desta instituição e desta vez não é diferente, toda esta experiência está sendo mobilizada para o combate ao novo coronavírus.

 

O Brasil alcançou o terceiro lugar em número de casos no mundo. O país não tem uma política definida nacionalmente para o combate à pandemia. O que acredita que pode ser feito?

Nísia – O Brasil é um país continental, com enormes desigualdades. É importante notar que a doença não chega da mesma forma a todos. Existem regiões com carência de leitos de UTI e populações que vivem sem acesso à saneamento adequado. O que isso nos impede de seguir uma das principais medidas de prevenção: lavar bem as mãos.

Nosso maior desafio é olhar para essas desigualdades e vulnerabilidades e dar respostas adequadas para cada região. Isto requer um esforço de coordenação e também políticas e comunicação adequadas para cada grupo. Tivemos medidas importantes, como o auxílio emergencial, mas essas políticas precisam ser aprofundadas para contemplar também pequenas empresas e grupos específicos, para permitir que as pessoas possam seguir as orientações sanitárias.

Precisamos abandonar o falso dilema entre saúde e economia. Uma população saudável é a base de qualquer economia. O SUS tem uma importância fundamental neste momento e precisa ser valorizado e fortalecido. Apesar do grave problema de subfinancia mento, esse é um importante aliado da sociedade brasileira, um sistema universal que tem dado respostas que podem e devem ser aprofundadas.

Entre os vários obstáculos, destaco a dependência tecnológica. Atualmente, importam-se 90% de fármacos, 80% de ventiladores e equipamentos, como os equipamentos de proteção individual (EPIs), a dependência chega a 90%. Por isso na Fiocruz, defendemos a criação de um Complexo Econômico-Industrial da Saúde no Brasil, que permitirá um modelo de desenvolvimento com foco na saúde e no bem estar da população.

 

 

 

 

 

 

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