Bolsonarismo e extremismo perderam, mas não morreram, avaliam cientistas políticos

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Discurso da extrema direita começa a ser derrotado, mas o eleitor caminha no sentido do centro, avaliam cientistas políticos. Para Camila Rocha e William Nozaki, pandemia reflete o resultado das urnas

Matéria retirada do site da CUT.

O resultado das urnas no primeiro turno das eleições municipais deste domingo (15) mostra que o eleitor brasileiro caminha mais em direção ao centro, deixando de lado a pauta dos costumes e o discurso da violência pregado por Jair Bolsonaro (ex-PSL) e a extrema direita, mas ainda aliado ao neoliberalismo e desconfiado das lideranças da esquerda.

Em síntese, esta é a análise feita pelos cientistas políticos William Nozaki, professor na Faculdade de Sociologia de São Paulo e por Camila Rocha, pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), que estuda junto com a professora Esther Solano, desde 2017, a extrema direita e o bolsonarismo no país.

Para eles, o fato do presidente ter conseguido ajudar a eleger apenas sete dos seus 45 candidatos a vereador, e apenas dois dos seus 13 candidatos a prefeito passarem para o segundo turno, (Marcelo Crivella do Republicanos, no Rio de Janeiro  e Capitão Wagner, do Pros, em Fortaleza), significa que o bolsonarismo e a extrema direita foram os principais derrotados, mas eles não morreram.

Na análise de William Nozaki, as urnas revelaram o cansaço da “nova política” que o presidente representa e, que se demonstrou desastrosa para as políticas públicas, principalmente em relação à pandemia do novo coronavírus (Covid-19). Bolsonaro, negacionista da doença, tem entrado em conflito com a ciência ao criticar a obrigatoriedade de vacinação para a população, é contra o distanciamento social e chamou os brasileiros que temem a Covid -19 de “maricas”, entre outros embates.

“Teve uma reação da sociedade contra este projeto que não ofereceu o resultado esperado, sobretudo na pandemia. Isto não significa que as forças da extrema direita estão derrotadas. Há ainda candidatos que não tiveram apoio explicito do presidente, nas foram eleitos para as câmaras municipais. Seu filho Carlos, apesar de ter conquistado menos votos do que na última eleição, ainda teve votação expressiva no Rio de Janeiro. O bolsonarismo sofreu derrota, mas nem de longe está acabado”, diz o professor de ciência política.

A atuação do presidente na pandemia foi o principal desgaste do bolsonarismo, principalmente entre as mulheres e os mais jovens, acredita a pesquisadora do Cebrap, Camila Rocha.

Em seu estudo publicado em junho deste ano, com o título “Bolsonarismo em crise” ? , em co-autoria com a professora Esther Solano, que teve como fonte a pesquisa de caráter qualitativo com eleitores do presidente  (faixas C e D de rendimentos, residentes na Região Metropolitana de São Paulo), já se percebia que as narrativas sobre o coro­navírus  ser uma “gripezinha” não convencia nem mesmo os bolsonaristas mais fiéis.

“Esses eleitores, no entanto, olharam nesta eleição para a dinâmica municipal e consideraram que não deveriam levar a sério as suas indicações. Mas como eles gostam muito do presidente eu não apostaria no desgaste da imagem de Bolsonaro”, diz Camila.

Na eleição da capital de São Paulo, ao analisar outro extrato de eleitores de faixa de renda das classes A e B, que apoiam Bolsonaro 100%, a pesquisadora do Cebrap acredita que esses votos migraram para Bruno Covas (PSDB/SP) e não para Celso Russomano (Republicanos-SP) que teve o apoio presidencial.

“Além da pandemia, o fato de Bolsonaro não ter conseguido montar um partido próprio, nem constituir alianças sólidas, e ter sido praticamente coagido a indicar candidatos como foi o caso de Crivella, no Rio [o presidente declarou que apoiava o atual prefeito, mas que ninguém era obrigado a votar nele] levou o seu eleitor, até mesmo o mais fiel, a não levar a sério suas indicações”, afirma Camila Rocha.

O voto dos jovens e dos mais velhos

Dois elementos também refletiram nos resultados das urnas, segundo William Nozaki: o aumento da abstenção, em função da pandemia, e dos votos brancos e nulos.

“Este calendário eleitoral foi assoberbado pela discussão da pandemia e muitos eleitores mais velhos deixaram de votar. Também já vínhamos numa trajetória de muita abstenção e votos nulos, pelo desencantamento de parte do eleitorado. Por outro lado, muitos jovens foram votar. Um exemplo é o eleitor do Boulos [Guilherme Boulos –PSOL], que recebeu mais votos dos jovens e de parte da classe média com  mais estudo. Mas este eleitorado jovem também se dividiu e está se deixando levar pelo discurso neoliberal do Arthur ‘Mamãe Falei’ “, afirma Nozaki ao analisar as eleições municipais de São Paulo.

O candidato ‘Mamãe Falei’ ficou em quinto lugar na disputa pela prefeitura da capital paulista. Em 2018, a abstenção foi de 20% e este ano subiu para 23%. A porcentagem representa mais de 45 milhões de eleitores.

Reflexos nas eleições de 2022

William Nozaki alerta que o resultado desta eleição deixou claro a tendência que já mostrava que o PSDB não tem capacidade de dirigir o centro e a direita,  abrindo flanco para o DEM e o PSD ocuparem este espaço.

Para o cientista político, é preciso aguardar o resultado do segundo turno de três capitais: São Paulo, Porto Alegre e Recife, em que os candidatos da esquerda têm boas chances de vencer para fazer uma análise mais profunda de como essas eleições municipais refletirão em 2022, quando Bolsonaro tentará a reeleição para a Presidência da República.

“O PT perdeu a hegemonia da esquerda, mas há um volume significativo do eleitorado a ser disputado. São três trincheiras importantes e pelo tamanho do peso politico e regional elas são as mais relevantes. O desafio é a aglutinação das forças progressivas contra a direita e a extrema direita. O foco da esquerda tem de ser a derrota do neoliberalismo e do bolsonarismo”, diz Nozaki.

As três trincheiras são: Porto Alegre (RS) em que Manuela D’Ávila (PCdo B) disputa o segundo turno com Sebastião Melo (MDB); Recife (PE) em que Marilia Arraes (PT) concorre com João Campos (PSB) e a capital de São Paulo onde Guilherme Boulos (PSOL) disputa a prefeitura contra Bruno Covas (PSDB).

“O alerta principal para o próximo período é que o bolsonarismo sofreu um revés, mas não necessariamente o neoliberalismo. Por isso, a esquerda não pode se descuidar”, analisa Nozaki.

A união das esquerdas também foi um dos resultados da pesquisa de Camila Rocha. Os eleitores mais progressistas acreditam que o bolsonarismo pode ser derrotado com a união das forças de esquerda.

“As pessoas estão frustradas com as lideranças políticas, mas veem numa aliança progressista, que incluam mais partidos além do PT e PSOL, uma forma de derrotar o bolsonarismo”, diz Camila.

Por outro lado, mesmo os arrependidos ou que tem críticas à gestão de Bolsonaro na pandemia, dizem que podem votar novamente no presidente por falta de opção em 2022.

“Para as faixas de classes de rendimentos mais baixos, que combina a classe média baixa e os empobrecidos, trabalhadores precarizados, que moram nas periferias das cidades, nenhuma candidatura anima particularmente para 2022,  por isso que a união da esquerda é importante para fazer frente à extrema direita”, conclui a pesquisadora do Cebrap.

Extrema direita no mundo

Para William Novak ainda há esperança que a extrema direita diminua sua influência na política em todo o mundo. Ele lembra que os resultados nas eleições nos Estados Unidos, com a vitória de Joe Badin sobre Donald Trump e a vitória do peronista Alberto Fernández sobre o liberal Mauricio Macri, na Argentina, tem enfraquecido os neoconservadores que têm tido dificuldade em se reeleger. Isto também pode ocorrer no Brasil nas eleições de 2022.

 

 

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