O impacto da reforma administrativa na educação

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O impacto da reforma administrativa na educação foi o tema de audiência pública na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, na segunda-feira, 28. Mas, apesar de a área concentrar pelo menos metade do funcionalismo, a Comissão Especial que analisa a proposta do governo Bolsonaro não incluiu a educação no cronograma de audiências públicas estabelecido pelo presidente da comissão, deputado Fernando Monteiro (PP-PE). 

“Em vários governos tivemos avanços na educação, mas nessa reforma, a despeito de se falar muito em modernização do Estado brasileiro e em melhoria no serviço público, não vemos isso na proposta do governo. As carreiras da educação como a nossa de professor e servidor, amplamente discutidas, simplesmente desaparecem”, afirmou a reitora da UnB, Márcia Abrahão.

Fim das liberdades

A reitora chamou a atenção sobre o impacto da mudança proposta nos artigos da Constituição 206, que trata da liberdade de cátedra, e 207, que trata da autonomia das universidades e instituições de pesquisa científica e tecnológica:

“Imagina se o professor deixar de ter liberdade de cátedra e passar a depender de ministro, presidente, governador, prefeito e reitor no caso das universidades federais? Isso é ferir de morte o princípio constitucional da liberdade. A mesma coisa do artigo 207. Imagine os institutos e órgãos não terem liberdade para divulgar dados de pesquisa? E para nós que fazemos ensino, pesquisa e extensão com olhares completamente diversificados de fato é um prejuízo incalculável para o país”.

Segundo Márcia Abrahão, uma das causas da excelência da pesquisa e da formação de qualidade nas universidades e institutos federais confirmadas em vários rankings, é a dedicação exclusiva dos docentes. Essa mudança traria outro impacto prejudicial a essas instituições.

“Não fazemos só a sala de aula. Fazemos também pesquisa e extensão. Acabar com a dedicação exclusiva é fragilizar enormemente as instituições de ensino superior”, frisou.

Choque nas carreiras

A reitora chamou a atenção também para as vedações existentes para direitos e garantias já existentes nas carreiras da educação:

“Reduz o período de férias, por exemplo. Muda muito todo o arcabouço legal no que diz respeito a direitos e vantagens sem que isso traga algum benefício de fato ao Estado brasileiro”.

Esta mudança, ela afirma, promove uma modificação que cria conflitos internos nas instituições com os diferentes regimes como está proposto, o que pode levar a sua destruição. 

“As consequências são muito graves. Podem levar as instituições para conflitos hoje inexistentes. Vai minar ainda mais as relações internas com consequências futuras para a destruição dessas instituições. E vai colocar o que no lugar? Certamente veremos o que aconteceu, infelizmente, em muitas escolas públicas no Brasil que deram lugar às instituições privadas que não oferecem a devida qualidade e dedicação aos estudantes como as instituições públicas”.

Márcia Abrahão destacou, ainda, a questão dos contratos de cooperação entre os órgãos públicos e as empresas privadas:

“Outro ponto importante que quase não tem se falado é sobre a possibilidade para que sejam firmados instrumentos de cooperação entre órgãos públicos e privados, e para execução de serviços públicos, inclusive com o compartilhamento de estrutura física. Ou seja, é um arcabouço em que se enfraquece o servidor público, acaba com a estabilidade, cria diferentes regimes, enfraquece as instituições e permite que as próprias estruturas físicas das instituições criadas com muitas dificuldades sejam utilizadas por entes privados”.

Ela afirma que são mudanças profundas as quais não observa que trarão benefícios para a sociedade brasileira.

“Convênios de cooperação”

O deputado Rogério Correia (PT-MG), um dos coordenadores da Frente Parlamentar Mista do Serviço Público, fala exatamente sobre os “convênios de cooperação” e a fragilização dos servidores. 

“Isso está claro no artigo 37ª (da PEC 32/2020). É cristalina a privatização dos serviços públicos para empresas privadas, inclusive com fins lucrativos. Vai pegar recursos públicos e passar para a empresa privada. Pode saber que na hora que for regulamentar esses convênios de cooperação eles vão permitir a essas empresas privadas complementar o seu lucro através da cobrança de mensalidades e cobranças de planos de saúde. Mas para que isso aconteça eles precisam atingir o serviço público, retirando dos servidores todos os direitos, inclusive a estabilidade”.

Pela manifestação dos profissionais

A diretora da Associação dos Diretores e Ex-Diretores das Escolas Públicas da Secretaria de Educação do Distrito Federal – ADEEPDF, Wilka Taguatinga de Almeida, quer que os profissionais sejam ouvidos:

“Já fomos atingidos nas escolas com a terceirização. Se a PEC (32/2020) passar vai desqualificar nosso trabalho e nossas conquistas na educação. Falo de dentro de uma escola e como gestora de uma escola pública. Precisamos que a voz dos professores e gestores das escolas sejam ouvidas”, reivindicou Wilka. 

“Não podemos ter dúvida de que a educação é uma política de Estado e os órgãos que trabalham pela educação são órgãos do Estado”, sustentou Alexandre Retamal, presidente da Associação de Servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Assinep).

Pega somente a base

O coordenador da audiência, deputado Professor Israel Batista (PV-DF), que é presidente da Frente Parlamentar Mista de Educação, afirmou que a PEC 32 tem como alvo os profissionais da base do funcionalismo, como os profissionais da educação e da saúde, os que não são privilegiados apesar de fazer o discurso contrário. 

“A PEC não ataca privilégios. Toda vez que o governo defende a PEC ele cita eventualmente o magistrado, um juiz que tenha recebido uma bolada de acúmulo de férias. E assim ele molda a opinião pública a favor da reforma. Então, o vende algo que ele não vai entregar”.

Israel Batista sustenta que o governo brasileiro não inspira confiança para abrir um debate tão profundo em relação a mudança na estrutura do estado brasileiro: 

“Desde 2019 tudo o que nós temos visto é o bullying institucional. Tudo o que temos visto são ameaças aos servidores públicos, tentativa de amordaçamento do serviço público para que eles não emitam opinião. O que temos visto é um assédio. Uma tentativa de vilanização dos servidores. A meu ver o governo não passa a segurança necessária que a sociedade precisa para discutir o aperfeiçoamento do serviço público. Porque o que eu enxergo aqui no Congresso é que há sempre subjacente um desejo não de melhoria do serviço público, mas um sentimento vingança contra o serviço público”.

 

 

 

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