Estabilidade de servidores combate corrupção, afirmam especialistas

Compartilhar:

A extinção da estabilidade dos servidores públicos federais, estaduais e municipais proposta na PEC 32/2020, a reforma administrativa de Guedes/Bolsonaro, foi rechaçada pelos debatedores convidados para a audiência da comissão especial que analisa a PEC na quarta-feira, 14 de julho. 

A quebra da estabilidade é um dos carro-chefe de Bolsonaro que diz atacar “privilégios”, mas no fundo quer abrir a porteira para o apadrinhamento e acobertar a corrupção. A comissão especial terá ainda oito sessões de audiências até votação do parecer que o governo quer para fim de agosto. 

A PEC 32 recebeu 62 emendas e ao que tem demonstrado seu relator Arthur Maia (DEM-BA) nos inúmeros debates feitos – ele inclusive na audiência referiu-se favoravelmente a demissão de professor – o texto do governo não sofrerá mudanças substantivas que contrariem a sua lógica privatista. 

Os especialistas atestam que os trabalhadores da educação, saúde/assistência e segurança, que ganham até cinco salários-mínimos, a massa do funcionalismo, serão os grandes atingidos se essa reforma for aprovada, mas os privilégios dos que ganham mais continuarão mantidos.

Avaliação para demitir por MP

O deputado federal Rogério Correia (PT-MG) chamou a atenção sobre a possibilidade de demissão em massa por Medida Provisória. “A avaliação de desempenho será feita até por medida provisória que poderá ser uma MP de demissão em massa, que possibilitará ao governo fazer a contratações temporárias ou convênios de cooperação em todas as áreas do serviço público”.

Ele rebateu o relator da PEC 32, Arthur Maia (DEM-BA) que defendeu a demissão de professor. “A garantia da estabilidade ao professor, ao trabalhador da educação, é uma garantia da melhoria da prestação de serviço público. Se eu perguntar ao relator seria melhor a demissão ano a ano de professor nas escolas? Teria melhorado o serviço público? Garanto que não. A situação estaria pior”;

Rogério Correia, que é um dos coordenadores da Frente Parlamentar Mista do Serviço Público, sustenta que “essa PEC só atinge os servidores públicos do andar de baixo”. Ele falou sobre matéria publicada no site uol informando que professor da rede pública que ganha piso de R$ 2.886,24 precisaria trabalhar mais de 10 mil anos para receber o teto do funcionalismo com a carreira atual.

“Com a destruição da carreira ganharia menos ainda. É com esse servidor que a PEC mexe ao dizer que podem ser trocados porque a avaliação não está boa. Já as pensões e os bilhões gastos com as famílias dos militares ninguém fala em mexer aqui nessa PEC. Isso será mantido”.

Fim da estabilidade para quem sustenta a máquina

Os especialistas colocaram que a quebra da estabilidade alcançará a maioria dos servidores que mantém os serviços básicos para a população. 

Segundo Leonardo Secchi, professor de Administração Pública da Universidade do Estado de Santa Catarina, isso atingirá 46,9% do total de servidores das áreas sociais, os da educação, saúde, assistência social, segurança, entre outros das redes municipais e estaduais.

“São as pessoas com mais potencial de serem impactadas com a PEC caso seja provada. São os que estão na linha de frente e enfrentando os calores da política local”, observou.

Segundo Secchi, a combinação das dimensões colocadas na PEC 32 e seus critérios “é alheia aquele diagnóstico da justificativa de manutenção de garantias de estabilidade, podendo ser prejudicial para a Administração Pública e para a sociedade por fragilizar ainda mais categorias de prestação de serviço que estão na linha de frente na implementação continuada, especialmente estadual e municipal, das políticas públicas de saúde, educação, segurança, assistência social, entre outras”.

Leonardo Secchi perguntou? “Estamos prontos para superar a estabilidade”, sua reposta foi não.

Servidores punidos

O delegado Alexandre Saraiva, afastado do cargo de superintendente da Polícia Federal no Amazonas após pedir abertura de investigação do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendeu os servidores da base da administração, aqueles que fazem a máquina funcionar. 

“A PEC é inoportuna. Separa os servidores em castas e ignora uma coisa básica de qualquer serviço que é a logística. Nenhuma dessas carreiras de estado vai trabalhar sem os servidores que fazem a máquina funcionar e que têm os menores salários.  Eu esperava que o governo trouxesse argumentos mostrando os privilégios que serão cortados, mas é o contrário. Os grandes atingidos por esse PEC serão os que menos recebem. Não podemos diminuir a importância desses servidores. A estabilidade no Brasil é condição para que as instituições sejam independentes”. 

O delegado utilizou a palavra “coincidências” para relatar os casos de retaliações do governo Bolsonaro em relação a ele e a mais dois servidores que trabalhavam no combate aos crimes ambientais e perderam seus cargos e comissões.

“Graças a existência da estabilidade essa coincidência causou apenas a perda do cargo em comissão. Se não houvesse essa estabilidade a coincidência causaria a demissão do servidor. Então para que o Brasil continue no combate a corrupção é preciso sim a estabilidade”.

Saraiva criticou o não combate aos privilégios:

“A nossa democracia precisa do servidor estável, não é uma vantagem. Não me parece razoável um critério que vai atingir a massa dos servidores públicos que ganham até 5 mil reais, ao passo que aqueles que tem realmente vantagens, essa casta que chamo de nova nobreza, continua. O que seria bom dessa reforma seria o fim das benesses e não o fim das garantias dos servidores que trabalham justamente para garantir a democracia”.

Nem Trump conseguiu 

Alketa Peci, professora da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (EBAPE-FGV,) foi categórica:

“Entre os vários problemas que a administração pública enfrenta hoje a estabilidade definitivamente não é um problema. O problema que nós vemos hoje é que governos de natureza populista baseiam seu discurso político em divisões entre nós servidores x eles governo”.

Alketa informou que o então presidente dos EUA, Donald Trump, tentou mudar o serviço público via reforma administrativa, mas não conseguiu. “Ele não obteve sucesso. Tentou, mas não conseguiu”. 

Marco da corrupção

Alison Souza, presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União (Sindilegis), afirmou que essa proposta de reforma administrativa “é um margo regulatório da corrupção no Brasil” ao discorrer sobre o exercício de funções técnicas de servidores de carreira por comissionados constate na PEC 32.

Ele colocou por terra a argumentação do Secretário de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia, Leonardo Sultani, que fez uma apresentação comparando a realidade do serviço público em outros países enaltecendo as “novidade e melhorias” da reforma. 

“Leonardo Sultani trouxe exemplos de outros países cujo serviço público não há estabilidade. A Nova Zelândia, por exemplo, não fala de estabilidade porque no ranking da transparência internacional sobre percepção da corrupção ela está em primeiro lugar”.

Alison afirmou que a proposta de reforma do governo não traz nada melhorias e nem novidades como ele propaga. 

“Dr. Leonardo em seus slides comentou aqui sobre as benfeitorias e as melhorais que a PEC 32 traz. Não é nenhum ganho o que essa PEC está nos trazendo. Então não podemos colocar aqui como grandes conquistas coisas que já existem na nossa legislação e trazermos aqui como grandes novidades”.

O servidor do TCU defendeu a estabilidade como mecanismo para se manter a democracia ao avaliar o momento crítico pelo qual passa o país.

Discutir a estabilidade não tem a ver com o servidor. Tem a ver com a democracia brasileira. Estamos enfrentando um momento gravíssimo na nossa democracia e há aqueles que dizem que as instituições estão segurando. Fico pensando quando acabarmos com a estabilidade o que vai acontecer com a nossa democracia. Na nossa percepção estamos indo muito mal. O Brasil está num dos seus piores momentos na história, sem rumo, sem saber o que fazer, estamos atolados, sem crescimento econômico, 15 milhões de desempregados, 40 milhões na informalidade, mais de 95% da nossa população ganha 1 ou 2 salários-mínimos. Isso é o Brasil. Estamos falando de um dos países mais corruptos do mundo. E nós estamos aqui negociando a estabilidade como se ela fosse um privilégio do servidor. Nunca foi e nunca será”.

 

 

COMENTÁRIOS