RECADO PARA O MUNDO
Pandemia expõe fracasso do projeto neoliberal e da ‘era do indivíduo’, diz sanitarista
Desigualdade na vacinação e negacionismo são reflexos do individualismo decorrente da onda neoliberal, que pode inviabilizar a humanidade
Por Redação RBA/Publicado 10/01/2022
Imagem: TÂNIA RÊGO/EBC
Lucia Souto: “A saída da pandemia é coletiva. A verdadeira liberdade é feita a partir dos interesses da comunidade, do coletivo”
São Paulo – A única saída para o mundo atravessar a atual crise sanitária provocada pela pandemia de covid-19 é através do senso coletivo. Diante da desigualdade da vacinação entre países e o negacionismo de parte da população, a humanidade mostra o fracasso do projeto neoliberal que fomenta o individualismo. A afirmação é da médica sanitarista Lucia Souto, pesquisadora da Fiocruz e presidenta do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes).
Em entrevista à Rádio Brasil Atual, Lucia cita tese da ex-premiê britânica Margareth Tatcher, segundo a qual o individualismo – combustível do neoliberalismo – conduziria o mundo. Como resposta, ela dá razão à recente coluna do ex-presidente uruguaio José Mujica, no jornal Deutsche Welle, ao dizer que o ano de 2021 foi o “ano do fracasso”, pois os países ricos não entenderam que a pandemia é global, e é necessário que a população mais pobre, por exemplo na África, também seja vacinada.
“É o fracasso do projeto neoliberal que só considera o dinheiro. Me lembra a Margareth Tatcher, que disse há 40 anos que chegamos ao fim das sociedades e na era dos indivíduos. Uma coisa absurda. Nesse contexto da pandemia, o fundamento da era dos indivíduos está em xeque. Agora, assim como disse Mujica, ou teremos saídas coletivas, ou fracassaremos como humanidade”, afirmou a médica em entrevista à jornalista Marilu Cabañas, nesta segunda-feira (10).
Vacinação e ‘liberdades’
No Brasil, diversas cidades começaram a aderir ao passaporte da vacina, que exige o comprovante da imunização para a entrada em estabelecimentos e eventos. Entretanto, figuras como Jair Bolsonaro criticam a medida, afirmando que a ação fere a “liberdade” de quem não quer se vacinar. A sanitarista reafirma que a saída da pandemia é coletiva e não há espaço para “falsa liberdade” dos negacionistas.
“A saída da pandemia é coletiva. A não comprovação da vacina não é liberdade. A verdadeira liberdade é feita a partir dos interesses da comunidade, do coletivo. Dentro da mais grave pandemia que vivemos, por que não introduzir o passaporte da vacina? É o mínimo da organização da sociedade”, defendeu ela.
Na última sexta-feira (7), à CNN, a presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Nísia Trindade, afirmou que entidade tem capacidade produtiva para importar e doar doses de vacina de covid-19 para países que ainda apresentam baixa taxa de imunização. Lúcia ressalta que esse olhar é importante, pois é preciso impor a equidade de vacinação no mundo. “No Brasil, temos um índice de vacinação grande e importante, porém não há solução de países individualmente. A solução vem a partir da equidade da vacina. Por isso a medida da Fiocruz é de extrema importância. A desigualdade da vacinação é o retrato de um modelo que não considera a saúde como bem comum”, finalizou.