17 de abril de 1996, um dia para sempre marcado na história da luta camponesa. Nesse dia, uma das ações mais violentas praticadas pelo Estado brasileiro contra famílias do campo chocou o país.
No trecho conhecido como “Curva do S”, no sudoeste do Pará, a Polícia Militar assassinou 21 pessoas entre os milhares de trabalhadores sem terra que faziam uma marcha pacífica em direção a Belém. O episódio ficou conhecido como o Massacre de Eldorado do Carajás.
A revolta dos camponeses com a chacina, que completa 26 anos neste ano, estimulou o início de um dos períodos de maior efervescência da luta pela terra no país e no mundo, e abril foi instituído como o mês das mobilizações.
“A gente passa a ter a referência do abril como esse mês de fortalecimento da luta dos sem terras em torno da desapropriação. E essa indignação, esse sentimento de revolta que toma conta das massas, impulsiona a organização a pautar o estado brasileiro de uma forma mais contundente, compreendendo a reforma agrária agora em diversas dimensões”, explica o jovem Pablo Carvalho Neri, membro da direção estadual do MST no Pará.
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No local onde as mortes ocorreram, no trecho conhecido como Curva do S da PA-275, sem-terra fazem homenagens às vítimas do massacre / Marcelo Cruz/Brasil de Fato
Acampamento Pedagógico da Juventude
Hoje, é na própria juventude camponesa onde o legado de Carajás é mais latente. Anualmente, é erguido na “Curva do S” o Acampamento Pedagógico da Juventude Oziel Alves. O nome é uma homenagem a um dos jovens assassinados na barbárie.
Em 2022, depois de dois anos, o evento volta a ser feito de forma presencial, de 14 a 17 de abril, com o lema: “Lutar é preciso: contra o fascismo a esperança amazônica resiste”.
Com programação reduzida para manter os cuidados em relação à covid-19, a estimativa do MST é receber de 100 a 150 jovens de todo o país, principalmente da região amazônica.
“Esses processos de resistência, de indignação, forjaram um sentimento de esperança na “Curva do S”. Tanto que a gente até brinca que o S da curva se transformou em um S de sonho”, destaca Neri.
Espaços coletivos e conjuntura
No espaço simbólico, são os jovens que irão construir os barracões que vão receber a cozinha coletiva. E também o espaço das místicas e plenárias.
“Não é só pelo simples fato da gente estar lá literalmente acampando, mas também da gente estar meio que reconstruindo alguns processos que a gente faz dentro do MST, como o que é uma ocupação de terra. Então todo ano a gente está ocupando aquele espaço também para demarcar essa memória com a juventude”, aponta Nieves Rodrigues, do Coletivo da Juventude do MST na Região Amazônica (PA).
As atividades protagonizadas na “Curva do S” envolvem não só processos internos e organizativos do MST, mas também debatem os temas da conjuntura. Para Nieves, um dos desafios é como agregar, além da juventude sem terra, representantes de outros povos do campo, como jovens quilombolas e indígenas.
“A gente vai entender um pouco a nossa geopolítica nacional, internacional. A gente vai falar sobre a nossa Amazônia também, o que é que está nos tocando agora, quais são as contradições que a gente tem aqui na nossa região. Vamos falar sobre como o agronegócio está avançando cada vez mais sobre os nossos povos”, conta Nieves.
Dentro do cronograma está previsto também um grande ato de plantio de árvores no Assentamento 17 de Abril e o lançamento do Festival Internacional de Cinema de Fronteira – que terá como homenageado neste ano o próprio MST. Além disso, a juventude irá se reunir para atos diários em frente ao Monumento das Castanheiras, na “Curva do S”, sempre às 17h.
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Sobreviventes foram levados ao exato local do massacre, na Curva do S / Marcelo Cruz/ Brasil de Fato
Legado de Carajás
No Pará, as primeiras ocupações já foram vistas em 1997, um ano após a chacina, como um aviso do movimento de que não desistiria da Reforma Agrária Popular. No mesmo ano foi criado na “Curva do S” o Monumento das Castanheiras, que representa, além da destruição das 21 vidas, a devastação da Floresta Amazônia em favor dos monocultivos.
Na mesma época, surge o Ministério do Desenvolvimento Agrário, como uma necessidade de resposta do estado à brutalidade. É o que relembra Kelli Mafort, da direção nacional do movimento.
“Fernando Henrique Cardoso se viu obrigado a dar algum tipo de resposta à questão agrária porque foi evidente que não estava sendo realizada nenhum tipo de reforma agrária no país. Pelo contrário, estava se abrindo caminho para massacres”, destaca.
Mas o legado não fica apenas na esfera da luta pela terra. Em 1998 foi criado o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, o Pronera. Antes de ser extinta por Jair Bolsonaro, a política foi responsável pela formação de 192 mil jovens camponeses em todo o Brasil, da alfabetização ao ensino superior.
“Eu sou egresso do curso de História, assim como tantos outros jovens que tiveram a oportunidade de avançar na escolaridade a partir do Pronera. E ele nasce dessa transformação de luto em luta”, reforça Neri.
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Pronera já formou centenas de milhares de jovens e adultos de assentamentos / Divulgação/MST
História
A primeira edição do Acampamento Pedagógico da Juventude Josiel Alves durou 17 dias, em 2006, reunindo as famílias de sobreviventes e uma grande mobilização de acampados e assentados no marco dos 10 anos do massacre. A partir de 2014, com mais estrutura e visibilidade, os acampamentos chegaram a receber até mil jovens de todo o Brasil.
“O Movimento Sem Terra traz uma mensagem de esperança à sociedade. É verdade que a gente enfrenta situações muito dramáticas, mas no entanto a gente lida com esperanças, porque nós sabemos que a terra conquistada e repartida produz frutos maravilhosos. Para nós, sem terra, mas também para toda sociedade”, finaliza Mafort.
Edição: Vivian Virissimo