Direitos e serviços públicos não são negócios regidos pelas sacrossantas leis do mercado, mas pelo benefício universal que geram. O modelo de gestão proposto pelo “Future-se” é o “Vire-se” para captar recursos.
Jornal GGN – 17/07/2019 – Artigo
OS FINANCISTAS DO MEC apresentaram hoje pela manhã o projeto Future-se, que busca alterar radicalmente o ordenamento jurídico, patrimonial, pedagógico, trabalhista e o papel social das Universidades públicas. Toda a apresentação tinha o figurino de encontro de negócios espertos. Não faltaram painel de Led e apresentador de bleiser azul marinho sem gravata a recitar vantagens para todos, promessas de happy startups, criação de fundos, investimentos, PPPs, organizações sociais e a possibilidade de professores “ficarem ricos”.
“Nós nos inspiramos em Friedman”, foi dito a certa altura. Às escâncaras, trata-se de um acelerado processo de privatização das instituições públicas, que ganharão suposta eficiência e vinculação ao mercado, como as krotons da vida.
NO GOVERNO FHC, anos 1990, as privatizações eram alardeadas como forma de se superar a chamada ineficiência estatal, a falta de telefones, as carências no mercado de energia, os cabides de emprego, os cartórios corporativos etc. etc. Foi preciso massacrar a opinião pública com a ladainha de que a venda de estatais era o segredo para a superação de nosso “atraso”, e que com auxílio do mercado estaríamos em sintonia com o “primeiro mundo”.
No governo Bolsonaro, nem argumentos desse tipo há mais. Existe chantagem, feita por quem nada tem a ver com educação. Cortam-se orçamentos – o que inviabiliza de imediato o funcionamento das instituições – , coloca-se a faca no pescoço de reitores, professores, alunos, técnicos administrativos e monta-se um teatro midiático, cuja adesão seria opcional.
A UNIVERSIDADE PÚBLICA BRASILEIRA é um modelo internacional de sucesso. Ela não apenas produz ciência de ponta, como se volta – na maior parte dos casos – para a resolução de problemas concretos e materiais da sociedade. A “torre de marfim” autossuficiente tornou-se anacrônica, em especial ao longo das últimas décadas, fruto da expansão de unidades pelo país.
O aumento do número de vagas, as políticas de cotas e sua presença cada vez maior na vida pública faz dessas instituições a marca de um Estado que verdadeiramente se articula com as demandas sociais. Temos aqui algo raro nos Estados Unidos ou na Europa Ocidental: universidades de massa, amplas, plurais e financiadas com o dinheiro dos impostos.
HÁ UMA DÉCADA, o documentário “Inside job”, de Charles Ferguson, ganhou o Oscar da categoria ao fazer uma varredura profunda nas causas e consequências do tsunami financeiro originado nos EUA, em 2008. Secundariamente, a fita exibiu a imensa teia de interesses privados que se sobrepõem à Universidade estadunidense. Lá, é bom lembrar, cresce a legião de jovens inadimplentes que não conseguem arcar com os altos custos das anuidades (O ministro da Educação afirma que não haverá cobrança de anuidades. Por enquanto).
Três professores de Harvard – também operadores no mercado financeiro – foram desmascarados diante das câmeras por darem aval acadêmico à saúde financeira de empresas e países a peso de ouro.
Harvard é um centro de excelência global, especialmente nas áreas de Direito e Finanças. Tem cerca de 23 mil alunos e é privada. A USP tem 95 mil alunos e é pública.
SEGUNDO O CENSO DA Educação Superior do INEP, o Brasil possui “296 Instituições de Educação Superior (IES) públicas e 2.152 privadas, o que representa 87,9% da rede. Das públicas, 41,9% são estaduais; 36,8%, federais e 21,3%, municipais. Quase 3/5 das IES federais são universidades e 36,7% são Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs) e Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets)”.
Com raríssimas exceções, a pesquisa está concentrada nas públicas. Por esse motivo, é aí que se concentra o pensamento crítico e resultados em diversas áreas que se traduzem em importante apoio para políticas públicas.
Os milicianos da gestão Bolsonaro não conseguem externar a mesma distorção conceitual que fazem no debate da Previdência, de que “o sistema dá prejuízo”. Se olharem apenas para o que o orçamento do MEC, com pensamento terraplanista de contador, “o sistema dá prejuízo”, sim.
O raciocínio é evidentemente torto. Direitos e serviços públicos não são negócios regidos pelas sacrossantas leis do mercado, mas pelo benefício universal que geram. O modelo de gestão proposto pelo “Future-se” é o “Vire-se” para captar recursos. Quem conseguir dinheiro, segue funcionando – com alta ingerência de investidores nos conteúdos pedagógicos – e quem não conseguir, adentrará literalmente no programa “Foda-se”.
Como o projeto bolsonarista é o da entrega da Petrobrás, da Embraer, da Eletrobrás, do saneamento e do desmonte do BNDES, do SUS e de várias ferramentas do desenvolvimento e da soberania nacional, acabar com a Universidade é algo que está na conta. Pesquisa e inovação de ponta será feita pelos novos donos desses ativos.
Impedir esse ataque fulminante é impedir que se acabe com o futuro do país. Apesar do nome do programa ser o horrível trocadilho Future-se.