A alta dos preços está levando famílias mais pobres a reduzir a compra de  produtos como água sanitária e sabonete. A queda de renda da população é sentida por sete em cada dez paulistanos

Matéria retirada do site da CUT.

Apesar da recomendação das autoridades da área da saúde de que é preciso lavar as mãos várias vezes ao dia, usar álcool em gel constantemente e água sanitária para desinfetar as residências, únicas formas de se evitar a contaminação e propagação do novo coronavírus (Covid-19), milhões de brasileiros reduziram drasticamente a compra de produtos de higiene e limpeza por causa da disparada dos preços.

Recentes pesquisas mostram queda no consumo de produtos de higiene e limpeza e também de alimentos, especialmente entre a população mais pobre que amarga queda nos rendimentos.

Este é o caso da dona de casa Antônia Alves Pedrosa Moreira, de 57 anos e de milhões de brasileiros cujas situações trágicas poderiam ser diferentes se no comando do país estivesse um mandatário que se importasse com os mais pobres.

Desde que assumiu a Presidência da República, Jair Bolsonaro (ex-PSL) só retirou direitos dos trabalhadores na reforma da Previdência, no corte do auxílio emergencial, nas tentativas de implementar a Carteira Verde e Amarela. Todas essas medidas juntas agradaram ao mercado financeiro, mas são os mais pobres que sentem na pele a diminuição da renda e o aumento da fome causada por essas medidas.

Dona Antônia é uma das brasileiras que sofre as consequências das decisões do governo e que entrou para essas estatísticas dos que precisam reduzir as compras de itens da cesta básica. Sobrevivendo com os R$ 300 que recebeu de auxílio emergencial no mês passado, a dona de casa tem cortado da sua lista de compras produtos essenciais para sua alimentação e até da sua higiene pessoal e da casa. Isso em plena pandemia, que já matou mais de 160 mil brasileiros e contaminou mais de 5 milhões.

Dos cinco sabonetes que usava para sua higiene, agora só consegue comprar dois por mês. A compra da água sanitária também foi reduzida. Ela cortou pela metade e ainda assim controla o uso para durar até o fim do mês. Pasta de dentes, detergentes e outros produtos de higiene também tiveram seu uso cortados em torno de 30%.

“A compra que a gente fazia no mês foi toda reduzida, até porque com os R$ 600 a gente comprava mais coisas, mas só com os R$ 300 não dá pra comprar tudo o que a gente precisa. Entre comprar um litro de leite e a água sanitária, fico com o leite. A gente sobrevive sem produto de limpeza, mas não com fome”, diz Antônia se referindo a decisão de Bolsonaro de corta pela metade o valor do auxílio emergencial quando ampliou o pagamento do benefício até dezembro.

Mas não é só Antônia que sentiu a alta de preços dos produtos de limpeza. A  população diminuiu a compra desses itens em 24%, enquanto o preço subiu em média 29%. Os produtos que mais contribuíram para a queda no consumo foram a água sanitária (-21%) e o sabonete e o shampoo, que juntos caíram 15%.  Já os preços dos sabonetes subiram 9% e do shampoo, 8%. O levantamento é da empresa de inteligência de mercado Horus e foi publicado no jornal ‘O Estado de São Paulo’, que analisou o consumo de agosto a setembro em relação ao bimestre anterior.

Os itens de limpeza fazem parte do grupo ‘Habitação’ na composição do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) com peso de 15,16%.

A inflação acelerada poderia ser sentida um pouco menos, se o governo Bolsonaro não reduzisse pela metade o auxílio emergencial, já que a proposta foi feita como política para proteger as famílias durante a crise sanitária, acredita a técnica do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) / Subseção CUT, Adriana Marcolino.

“O valor desses R$ 600, aprovado pelo Congresso Nacional, foi pensado porque a gente sabe que uma cesta básica para uma família de 4 pessoas passar o mês gira em torno de R$ 500. Isto sem contar as contas dos serviços públicos como água e luz que não estão contemplados”, diz.

Queda de rendimentos dos mais pobres se agrava

Com o corte no auxílio emergencial, Antônia tem problemas muito além da falta de produtos de higiene em sua lista de compras. Ela também faz parte do grupo de pessoas mais pobres que viram seus rendimentos praticamente zerarem, e sentem mais a inflação corroer o pouco que ganham.  Diversas pesquisas mostram que a pandemia, a inflação e a perda de rendimentos foram mais sentidas pelas famílias de baixa renda.

Sete em cada dez paulistanos relatam ter sofrido perda de renda em meio à pandemia de Covid-19, segundo a mais recente pesquisa Ibope/Estadão/TV Globo.  Apenas 6% da população apontou melhora de sua situação financeira. Uma parcela de 22% relatou perda pequena de receitas, e um contingente equivalente afirmou que a renda permaneceu igual. 38% disseram que suas rendas diminuíram muito; outros 11% relataram ter perdido completamente suas fontes de recursos.

A segmentação dos resultados segundo a renda dos entrevistados mostra que  60% dos que ganham renda superior a dois salários mínimos perderam renda. Este índice aumenta para 80% da população mais pobre que ganha até dois salários (R$ 2.090).

Antônia faz parte do último grupo. Tudo ao seu redor se transformou em tragédia, há dois meses, com a morte do marido com quem foi casada por 38 anos, vítima da Covid-19, doença que também quase a matou. Além da dor da perda do marido, a dona de casa ficou sem aposentadoria, já que ele aos 61 anos, como autônomo, não conseguiu contribuir com a Previdência por não ter rendimentos suficientes.  Antônia era faxineira, mas há anos um problema nas costas a impede de trabalhar.

Sem outra fonte de renda, a dona de casa diz estar sem chão e não sabe como sobreviverá no próximo mês. Seus filhos são casados e como eles também têm filhos, a ajuda para a dona de casa, se vier, deverá ser mínima.

“Por enquanto tenho ainda tenho esse dinheiro do auxílio, mas nem sei o que fazer. Só me resta a fé em Deus”, diz chorando.

Para Adriana Marcolino, além da insegurança alimentar, a redução pela metade do auxílio terá um impacto negativo na economia.

“Os recursos do auxílio emergencial ajudam a sustentar por um período de crise um mínimo o consumo e a atividade econômica. O corte terá um impacto muito grande tanto para as famílias mais pobres como para a economia em geral”.

E este corte no valor do auxílio emergencial pode provocar uma crise ainda maior com o aumento da taxa de desemprego que já atingiu 13, 8 milhões de pessoas, acredita Adriana Marcolino. Para ela, os R$ 600 garantiam que as pessoas pudessem esperar que o cenário econômico melhorasse um pouco, para que procurassem uma oportunidade de trabalho em melhores condições.

“Com a redução no valor do auxílio, muito possivelmente essas pessoas terão que antecipar a sua volta ao mercado de trabalho, só que num cenário sem geração de emprego de qualidade para todo mundo, possivelmente até o final do ano, vão aumentar a taxa de desemprego de uma forma mais acelerada e também a taxa de empregos precários com a subutilização da força de trabalho”, afirma a técnica do Dieese.

 

 

 

 

Nota divulgada pela Reitoria, no dia 30 de outubro, foi usada por alguns veículos de comunicação como incentivo à liberação aulas presenciais na rede pública e particular do Rio de Janeiro. De acordo com o noticiário, cientistas da UFRJ apoiavam o retorno escolar desde que com segurança.

A frase do texto da nota que dizia “Para o GT – Coronavírus da UFRJ é preciso alertar para a minimização de riscos de exposição” foi utilizada pela mídia fora de contexto, dando margem a interpretação distorcida do alerta dado pelos pesquisadores.  

Alerta distorcido 

“O que queremos é cobrar dos gestores municipais, estaduais e federais que atentem desde já para medidas de segurança e melhoria na infraestrutura. Mas não é não é para abrir agora (as escolas). Peremptoriamente, não!”, frisou o coordenador do GT-Coronavírus da UFRJ, Roberto Medronho. 

“A nota orienta”, segundo ele, “o mais breve possível e da maneira mais segura possível (para os perigos do vírus), porque com o silêncio da sociedade ficou fácil para o gestor público transformar as crianças em seres invisíveis. Estamos do lado dos profissionais da educação contrários ao posicionamento dos governos que se acomodam”.  

O GT-Coronavírus considera que, “se em condições habituais muitas escolas públicas já não ofereciam instalações adequadas para garantir que os protocolos de higiene fossem obedecidos, há que se considerar a condição real da escola reabrir sob o risco de que recomendamos algo inexequível”.   

A nota elenca elementos básicos para a segurança dos estudantes na pandemia, como banheiros funcionais, pias para lavagem de mãos com água e sabão, salas com ventilação, distribuição de água para evitar a utilização de bebedouros comuns ou bebedouros com torneiras, entre outros aspectos que devem ser garantidos pelas autoridades em todas as escolas, sem distinção. 

Nas mãos dos diretores

No dia 3 de outubro, a Prefeitura do Rio liberou, na fase de flexibilização do município classificada como período “conservador”, a volta às aulas de todas as séries das escolas e creches privadas. Já a reabertura da rede municipal de educação será feita voluntariamente a partir das turmas do 9º ano, e cada instituição tomará sua decisão após reunião do conselho de pais com os professores, quando deverá ser definido se a escola preenche os pré-requisitos para garantir segurança para os alunos e profissionais. 

“Assistimos com preocupação a leitura feita pela mídia do retorno. Muito ruim, porque foi como se a UFRJ estivesse indicando o retorno imediato das aulas. Nós, do Colégio de Aplicação, vemos isso como muito problemático, e avaliamos que as escolas hoje não têm condições físicas para de fato efetivar retorno presencial”, disse a vice-diretora do CAp UFRJ, Cristina Miranda.

No CAp, informou, de acordo com o calendário aprovado no Conselho Universitário as aulas seguirão no modo remoto até o fim do ano letivo de 2020, que é 5 de abril. “Na nossa avaliação, a gente não tem capacidade hoje (do ponto de vista das condições físicas) para receber os alunos e de se estudar com a segurança necessária”, afirmou a dirigente. Ela adiantou que foi criado um Grupo de Trabalho para estudar as necessidades estruturais e de pessoal para que o colégio volte à normalidade. 

Sepe expõe a realidade 

O diretor de Saúde e Direitos Humanos do Núcleo Duque de Caxias do Sindicato Estadual da Educação do Rio de Janeiro (Sepe), Mateus Mendes, disse que não faz sentido retomar as aulas no último bimestre e que o movimento para tornar uma escola num ambiente minimamente seguro é demorado. “O que deveria ocorrer é suspenderem o ano”, defendeu. 

Segundo o dirigente sindical, que leu a nota da Reitoria, pela maneira como foi a repercussão ele não tem dúvidas: houve um descolamento da realidade. “O texto até assume que medidas não podem ser negligenciadas e reconhece a importância de mitigar a contaminação, mas diz que tem que voltar. Só que a única medida comprovadamente que adotamos para mitigar é o isolamento”. No Hemisfério Norte é o começo do ano letivo. Aqui, estamos no meio do último bimestre. É um despropósito isso agora”, disse. 

Ele também chama a atenção para o recorte de classe: “A gente dá aula para filhos da classe trabalhadora super explorada. E tudo que está na nota da UFRJ são bandeiras da Educação desde a década de 1980, como, por exemplo, estruturas decentes nas escolas. Mas a gente dá aula em escolas que às vezes não tem banheiro funcionando. Como os alunos vão lavar as mãos? Há escolas cujo teto caiu e há goteiras na sala de aula. E água potável? Como retornar a aula se a escola vive de caminhão pipa e às vezes acaba a água? É o que acontece na baixada fluminense. Como pôr crianças num ambiente assim?”, questionou o professor. 

“Muitas vezes”, contou, “os pais mandam as crianças doentes para a escola porque elas precisam comer ou não tiveram condições de levar ao Posto de Saúde para pegar atestado. O filho não pode tomar falta porque a família perde a Bolsa Família. Ou apenas não tem com quem deixá-lo.

Sinpro-Rio quer ação da Vigilância Sanitária

Elson Paiva, diretor do Departamento Jurídico do Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro e Região (Sinpro-Rio) afirmou: “A gente entende que os protocolos têm que se cumpridos, mas boa parte das escolas não está seguindo as recomendações. E a maioria dos pais também não está mandando os filhos para a escola por não acreditar que os protocolos vão ser cumpridos e/ou que crianças e adolescentes cumprem protocolos. Vemos com muita preocupação a posição diametralmente oposta a de cerca de um mês e meio atrás (quando não se recomendava o retorno). Não houve posição no intuito de dizer que a Vigilância Sanitária tinha que estar atenta e que só poderia abrir depois que desse ok”.

Na avaliação de Elson a Prefeitura do Rio lavou as mãos. “(A Prefeitura) Diz  que cada escola privada abre se quiser, e se houver problema será dela, que terá o alvará cassado. (A Prefeitura) Botou no colo das escolas a responsabilidade que é dela, inclusive de fiscalização. E também disse para os diretores (das escolas municipais): abre aí, se quiser. Não vai dar recursos ( para EPI (equipamentos de segurança individual), por exemplo) e as escolas não vão abrir. Agora, as direções têm que assumir”. 

Para ele, governador e prefeito não leram a nota da UFRJ, optando ficar com a impressão difundida pela mídia. “Entendemos que a intenção era criar protocolos, mas que se cobrasse a atuação nas escolas da Vigilância Sanitária seria o principal para nós”, observou.

Proposta do GT não é o retorno imediato 

“Ao contrário. Somos contra, porque as condições de infraestrutura física de algumas escolas não permitem. O que queremos é uma ação dos gestores públicos e o apoio da sociedade para dotar as escolas de condições mínimas de  infraestrutura para o retorno seguro das aulas presencias”, explicou Roberto Medronho.

Além da evidência de que criança tem poder de transmissão menor que adultos e de que em países que mantiveram escolas abertas não se agravou o quadro epidêmico, há outros indicadores que o GT-Coronavírus da UFRJ levou em conta na nota técnica, informou Medronho. Por exemplo,  evidências apontadas por especialistas da área de pediatria de que houve um aumento de casos de abusos físicos, sexuais, depressão e ansiedade em crianças das classes mais vulneráveis durante a pandemia. Além disso, quanto maior o tempo de fechamento das escolas, maior probabilidade de evasão. Para ele é preciso considerar a escola e a educação como serviço essencial.

A nota técnica refere-se ao ensino básico público. Segundo Medronho, a recomendação não se aplica ao ensino superior porque adultos são grandes transmissores da doença. Ou seja, a recomendação não se aplica na graduação e na pós-graduação da UFRJ. E também no Colégio de Aplicação, porque segundo Medronho, o GT constatou em reunião com profissionais da casa, antes da formulação da nota, que o CAp está com o ensino remoto bem equacionado, com boa adesão e que provavelmente manteria a qualidade do ensino esse ano, sem a abertura presencial.

“No ensino superior permanece o trabalho e o ensino na forma remota. O GT continua absolutamente fiel ao que foi aprovado na resolução 7 de 2020 (do Conselho Universitário), com trabalho remoto para todos e presencial para atividades essenciais (como de saúde e biotérios), e alguns outros casos a serem apontados pelas unidades cabendo recurso ao órgão superior, informou Medronho. 

Segurança para as crianças

O virologista Davis Ferreira, do Instituto de Microbiologia e membro do GT- Coronavírus da UFRJ, citou os prejuízos que especialistas da área da saúde têm apontado no fato das crianças estarem fora da escola. “Estudos pelo mundo todo têm mostrado que as escolas não são grandes focos de transmissão quando outros fatores estão devidamente controlados, tanto dentro da escola quanto em outros locais da cidade. Portanto, seria importante o retorno as aulas o mais rápido possível. Mas, com as condições de segurança necessárias. A nota deixa isso claro”, afirmou.

Se o poder público quiser usar o texto para justificar a abertura, argumenta Davis, terá que atender a nota quando aponta a necessidade de investimento nas escolas para que a volta às aulas presenciais seja feita de forma a mais segura possível.

 

Da esquerda para a direita: O virologista Davis Ferreira, do Instituto de Microbiologia; O diretor de Saúde e Direitos Humanos do Núcleo Duque de Caxias do Sepe, Mateus Mendes; e Elson Paiva, diretor do Departamento Jurídico do Sinpro-Rio.

Paulo Vitor, museólogo do Museu Nacional, cujo depoimento registramos em vídeo, sintetizou bem parte dos objetivos do Sintufrj Itinerante, há duas semanas circulando por unidades na UFRJ

Paulo Vitor lembrou que “neste contexto de pandemia, a gente passando dificuldades em várias unidades”. O museólogo saudou a presença da “van do Sintufrj” que ele aproveitou para tirar várias dúvidas.

“Tirei minhas dúvidas agora vou pra casa, me cuidar..”, disse, numa referência ao isolamento social.

Tem sido assim nas últimas semanas, período em que o Sintufrj Itinerante se incorporou na paisagem dos campi da universidade, atividade que foi concentrada, inicialmente, nas unidades de saúde. Nos últimos três dias a van esteve no CCS, HUCFF e no Museu Nacional.

 

Fonte: Por Lilia Teles, G1. Publicado em 3/11/2020

Monitor da violência – feminicídio — Foto: Editoria de Arte/G1

Um levantamento feito pelo Núcleo de Pesquisa de Gênero, Raça e Etnia da Escola de Magistratura do Rio de Janeiro mostra que a grande maioria das vítimas de feminicídio no estado eram mães e que os agressores tinham vínculo íntimo com elas.

O RJ1 teve acesso em primeira mão aos dados da pesquisa, que analisou processos de feminicídios julgados pelas Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Segundo o levantamento, as vítimas são, em sua maior parte, mulheres pardas e brancas, com idades entre 25 e 45 anos e que 74% das mulheres assassinadas eram mães.

A maior parte dos agressores também está nessa faixa etária, entre 25 e 45 anos. Mais da metade deles, segundo a pesquisa, usava algum tipo de droga ou medicamento. Além disso, 90% dos agressores tinham vínculo íntimo com as mulheres que mataram, sendo que 39% deles moravam com elas.

A juíza titular do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Adriana Ramos de Mello, que esteve à frente da pesquisa, enfatizou que os dados do levantamento devem servir de base para a criação de mecanismos de prevenção à violência contra as mulheres.

“O feminicídio, ele é um contínuo, um processo de violência, que pode começar com uma violência verbal, uma ameaça, às vezes, um xingamento, um insulto”, apontou.

Segundo a magistrada, é preciso buscar ajuda no primeiro sinal de violência doméstica para se poder evitar a morte da vítima.

“A gente diz sempre que o feminicídio é uma morte evitável, uma morte que não poderia ter acontecido”, enfatizou a juíza.

Por trás dos números, tragédias familiares

Somente nos últimos quatro anos, mais de 300 mulheres foram assassinadas no estado do Rio de Janeiro vítimas de feminicídio, crime que caracteriza quando uma mulher é morta pelo simples fato de ser mulher.

No Brasil, três mulheres são assassinadas por dia, vítimas do feminicído. Isso significa que uma mulher é morta a cada sete horas. A agressão é ainda mais frequente – acontece a cada dois segundos.

Cristiane está entre as vítimas do feminicídio no Rio de Janeiro. Ela foi morta a facadas pelo ex-marido em 2015, ano em que foi criada a lei do feminicídio no Brasil. A filha mais velha, Yasmin, lamenta a falta da mãe.

“Nós éramos muito próximas. A gente conversava bastante, eu falava muito da minha vida pra ela, ela falava muito da vida dela pra mim”, contou.

Yasmin era a única filha do primeiro casamento. Cristiane teve outros dois filhos com o segundo marido, Edson Alves Luís. E foi pelas mãos dele que os três irmãos ficaram órfãos de mãe.

“As crianças estão crescendo e ela não está aqui para ver. Mas eu tento levar da melhor forma possível. Até por eles, porque eu sei que eles sofrem bastante”, enfatizou Yasmin.

Cristiane foi morta a facadas pelo ex- marido, inconformado com a separação, um mês depois de ter sido espancada por ele.

“Ele hackeou o Facebook dela e fez um perfil fake, se passando por um homossexual querendo ser amigo dela. E aí minha mãe, muito inocente, começou a contar tudo da vida dela e foi aí que ele descobriu que ela estava começando a se envolver com outra pessoa. E ele foi até o apartamento e matou ela a facadas”, contou Yasmin.

A jovem órfã destacou, ainda, que a mãe sequer teve chance de buscar socorro. “Morreu na hora. Em relatos, em depoimento dele na delegacia, ele disse que só parou [de esfaquear Cristiane] quando ele viu que ela já estava morta”.

Dor transformada em luta
Yasmim contou que o assassinato da mãe mudou completamente a sua vida e que ela passou a usar a sua dor para tentar ajudar outras mulheres.

“A Yasmim antes achava que vivia numa vida maravilhosa, que nada podia acontecer dentro da minha família. Quando eu enterrei a minha mãe, eu renasci de novo, eu renasci mais forte, e tudo que eu faço hoje é por ela”, disse.

Para conclusão do curso de jornalismo, Yasmim produziu um curta metragem que retrata mulheres que sofreram com parceiros violentos, em relações abusivas.

“Eu entrevistei quatro mulheres que passaram por diferentes estágios de violência, até chegar no grau máximo, que é o feminicídio, como o caso da minha mãe. Ele [o curta metragem] foi cinco vezes premiado, rodou o Brasil inteiro, e através dele eu consegui chamar a atenção de muitas mulheres. Em alguns estados em que eu visitei, que eu fui junto com o documentário em festival, as mulheres me abraçavam me agradeciam pelo trabalho que eu estava fazendo”, contou.

Por conta da tragédia familiar, Yasmim disse ter percebido que é uma falácia a tese popular de que “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”, e passou a trabalhar para ajudar as mulheres vítimas de agressão doméstica.

“Quando a gente vê [um caso de agressão] a gente tem que se meter sim, porque a gente pode estar evitando a morte de alguém”, enfatizou.

Morte 15 dias após ser espancada
Faz quase um ano que Valdir e de dona Alice convivem com a dor de ter tido uma filha assassinada, em um caso de violência que, para eles, não tem explicação. A suspeita é que a filha deles, Vanessa, tenha morrido por causa de uma longa sessão de espancamentos. O agressor seria o companheiro dela, Douglas da Silva.

“Ele deixou ela dentro de casa, que a casa deles não tinha porta, era só um pano, e falava para o pessoal do entorno que ela estava passando mal. E os dias foram se passando, se passando. Chegou um certo dia que uma das tias dele, achando estranho, entrou dentro da casinha onde minha filha morava. Vendo o estado que ela estava, ligou para essa sobrinha que foi lá pra socorrer a minha filha”, lembrou Valdir.

Os pais de Vanessa acreditam que ela estava machucada, presa em casa, há pelo menos uma semana quando a tia do companheiro chamou por socorro. A única testemunha do que teria ocorrido é o neto deles, que só tem 8 anos de idade e acusa o pai de ter batido na mãe.

“Eu fui atrás junto com a minha namorada e a comadre da minha filha que sabia onde essa irmã dele morava. Chegando lá, eu encontrei a minha filha em cima de uma cama com o olho inchado e roxo, meu neto do lado. Eu perguntei ao meu neto ‘o que aconteceu com a sua mãe?’. Ele olhou pra um lado, olhou pro outro, e falou assim ‘vô, meu pai bateu muito na minha mãe’”, contou Valdir.

Os pais não sabiam que Vanessa estaria sendo agredida por Douglas. O neto, traumatizado, deu detalhes das agressões, que seriam constantes.

“Meu neto fala que foi muito na cabeça, inclusive meu neto fala que ele batia nele na cabeça mas aí meu neto fica com medo porque ele sabe que ele está solto então tem medo dele. Então, ele fala muito pouco. Ele se tornou aquela criança, assim, que quer ficar isolada, não quer ficar mais na rua, não fica mais no meio de ninguém, só quer ficar mais com a gente dentro de casa”, destacou dona Alice.

Vanessa foi levada pelos pais ao hospital com um olho roxo. Mas, os piores ferimentos eram internos e acabaram levando ela à morte. Vanessa morreu no Hospital de Saracuruna, em novembro de 2019, 15 dias depois de ser espancada em casa.

“O laudo do IML diz que a causa da morte foi hemorragia das meninges por ação contundente. Esse foi o laudo expedido pelo IML de Caxias”, enfatizou o pai.

Vanessa tinha de 23 anos. Ela já tinha tentado se separar do companheiro, mas foi ameaçada por ele, e voltou. Douglas chegou a ser preso, com base na Lei Maria da Penha, e ficou dois meses na cadeia, mas aguarda o julgamento em liberdade.

“Em liberdade por quê? Não sei porque, o crime que ele cometeu é hediondo por motivo torpe, qualquer juiz ou Ministério Público já manda encarcerar”, questiona Valdir.

“Só o que queremos é Justiça, para que outras pessoas não venham a passar o que a gente está passando, porque ele fez com a minha filha, quem dirá que ele não vai fazer com outra. Já que não aconteceu nada com ele até agora por causa da minha filha, ele pode vir a fazer com outra”, cobrou a mãe de Vanessa, dona Alice.

O Ministério Público do Rio disse que a Polícia Civil não anexou ao inquérito remetido à promotoria os depoimentos de Douglas da Silva, acusado do assassinato, nem outras peças importantes, como o laudo da necropsia.

Já a Polícia Civil disse que está cumprindo as diligências pedidas pelo MP e que o caso vai ser concluído em breve. A defesa de Douglas da Silva não foi localizada pela reportagem do RJ1.