“Notícias da pacificação: outro olhar possível sobre uma realidade em conflito” é o título do livro do jornalista Pedro Barreto Pereira, e a primeira obra produzida por um técnico-administrativo da instituição que será lançada pela Editora UFRJ, nesta quinta-feira, 11, às 17h, em live pelo canal no Youtube do Fórum de Ciência e Cultura da universidade.
Participarão do evento junto com Pedro Barreto, a jornalista Claudia Santiago, do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), e Márcio de Souza, professor da UFF e autor do livro “Sob o império do arbítrio: Prêmio Esso, imprensa e ditadura” (Editora Alameda, 2019).
O autor
O técnico-administrativo Pedro Barreto Pereira atua como jornalista no Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) e coordena o curso de extensão Mídia, Violência e Direitos Humanos. Com doutorado em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da UFRJ é pesquisador no pós-doutorado do Programa de Pós-Graduação Mídia e Cotidiano da UFF.
Pedro Barreto ingressou na UFRJ em 2008 e já no ano seguinte passou a conciliar o seu trabalho no CFCH com a qualificação. Iniciou pelo mestrado, cuja dissertação foi sobre as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), quando analisou a cobertura jornalística de O Globo na área de segurança pública. Ele concluiu sua tese de doutorado em 2017 e a submeteu à Editora UFRJ, mas devido aos cortes do MEC no orçamento da UFRJ, o livro foi publicado somente no ano passado.
Trabalho de pesquisa que resultou no livro
“Hoje vivemos outra realidade da segurança pública, mas a questão do discurso fica como um registro de como a gente pegou, neste momento que vive hoje, esta exaltação da violência exacerbada, da importância da segurança que legitima muitas vezes a morte de pessoas pobres e negras de favelas e de moradores de periferias”, chama a atenção o autor de “Notícias da pacificação: outro olhar possível sobre uma realidade em conflito”.
O jornalista analisou a cobertura feita pelo O Globo de 2008 a 2016, ou seja, desde o início das UPPs até o seu término, na prática. Segundo Pedro, as “UPPs existem hoje somente na formalidade. Não foram extintas no papel, mas não há investimentos e a lógica que predomina é o tiro na cabecinha e o modelo de ‘segurança presente’ nos bairros de comércio”.
Sua pesquisa aponta que, na época em que foram criadas, “as UPPs foram apresentadas como grande solução para a questão da segurança pública, que atingia o asfalto, os bairros da zona sul, Barra da Tijuca, onde aconteceriam os megaeventos. Então, Eduardo Paz e Sérgio Cabral (prefeito do Rio, na época, e governador do estado do Rio, respectivamente) precisavam passar a sensação de segurança para vender a cidade para os grandes patrocinadores das Olimpíadas e da Copa do Mundo”.
Ele utiliza como ilustração e exemplo de como era (e continua sendo) a cobertura jornalística sobre conflitos nas favelas e periferias, exibindo uma página da edição do jornal O Globo do final de 2008: uma das matérias mostra, de forma tímida, o protesto no Morro Santa Marta, já outra, com destaque, um tiroteio que fechou uma das vias da cidade por cinco horas.
A pesquisa de Pedro Barreto mostra que as UPPs foram apresentadas como a grande solução para a questão da segurança pública no Rio de Janeiro, e o secretário de Segurança da época, Mariano Beltrame, “como o grande salvador da pátria”. O servidor observa que “era sempre um cara do Sul, policial federal, durão, incorruptível”. “Beltrame”, diz, “teve durante muito tempo essa fama e isso agradou muito a classe média, leitores de O Globo, à esquerda e a academia, inclusive, acreditando que a UPP era a solução, por incrível que pareça”.
A realidade
“Depois de 2013, caíram os investimentos privados e isso começou a ter impacto na opinião pública. O apoio às UPPs começou a diminuir. Mas o O Globo seguiu com seu discurso de apoio até o fim. O último editorial do jornal dizia que era preciso reformar as UPPs, mas não acabar com seu legado”, revela a pesquisa do autor.
“A grande questão que coloco no livro é como isso era vendido. O ponto era a promessa de pacificação, enquanto os efeitos colaterais eram ocultados ou diminuídos. Morreram jovens moradores do Alemão, Babilônia, Pavão, Rocinha, mas isso era visto como efeito colateral. A minha conclusão quantitativa é a seguinte: 60% das matérias sobre UPPs reivindicavam maior lei e ordem nas favelas; 80% de todas as matérias legitimavam as UPPs, apesar dos efeitos colaterais: morte, violação de direitos de moradores de favelas e das periferias”, diz ele.
“Acabei de ler o livro A República das Milícias” (de Bruno Paes Manso), que conta que as milícias têm uma gênese muito anterior, nos esquadrões da morte, do Tenório Cavalcanti, na década de 1950, que eram figuras que nos seus bairros, na Baixada Fluminense, pretendiam levar a lei e a ordem aos moradores, a estabilidade para essas pessoas. Ninguém aguentava viver seu cotidiano em meio a tiroteios. Esse discurso da lei e da ordem e de previsibilidade é muito sedutor. É legítimo que se queira segurança. É óbvio que o Estado deveria dar isso para a gente. No entanto, o discurso que chega é “como o Estado não foi capaz”o que tem para hoje são as milícias”, analisa Pedro Barreto.
A lógica que legitima as milícias, segundo o pesquisador, é a mesma que legitimava as UPPs: a da lei e da ordem, da segurança e da previsibilidade. Só que por vias tortas, como, por exemplo, aceitar que uma quadrilha faça a segurança de seu bairro ao custo da retirada de direitos ou ameaças. “O discurso da legitimidade pouco se alterou”, compara.
Um dos conceitos trabalhados por Pedro Barreto e a do agendamento: “ uma estratégia de longo prazo não é algo que faça efeito de um dia para o outro, são décadas produzindo o discurso de que a segurança é um valor muito mais importante do que outros, como a liberdade de jovens e negros, e diretos humanos”.
Feito inédito
O livro de Pedro Barreto é o primeiro totalmente escrito por um técnico-administrativo em educação a ser lançado pela Editora da UFRJ: “Não são só docentes que produzem conhecimento, nossa categoria é muito qualificada e muitas vezes mal aproveitada dentro de uma lógica elitista da universidade. Espero que este trabalho estimule outros técnicos a também publicarem seus trabalhos”, conclui.
Segundo lançamento – De acordo com a diretora adjunta da Editora UFRJ, Fernanda Ribeiro, já houve anteriormente um livro organizado por três docentes e uma técnica- administrativa: “Além das fronteiras: literatura, ensino e interdisciplinaridade”. São eles: Georgina Martins (técnica administrativa da Faculdade de Letras), Rosa Gens, Ana Crelia Dias e Armando Gens (docentes).
E, no dia 25 de março, a Editora da UFRJ lança a segunda obra produzida por um técnico-administrativo da UFRJ: “Bitcoin e criptomoedas: a utopia da neutralidade e a realidade política do dinheiro”, de Daniel Kosinski. Ele é assistente em administração e doutor em Economia Política Internacional (PEPI-IE-UFRJ), mestre em Ciência Política (PPGCP-UFF), especialista em Políticas Públicas (IE-UFRJ).
Daniel é diretor de Relações Institucionais do Instituto da Brasilidade (IB) e pesquisador do Laboratório da Conjuntura de Políticas Públicas de Direitos Humanos à Cidade (LDC/NEPP-DH/UFRJ). O servidor é autor de dois outros livros: “O Governo JK” e “As raízes getulistas da orientação do capitalismo no Brasil” (Ed. Prismas, 2015).