Reforma Trabalhista de Bolsonaro legaliza contratos sem carteira assinada, 13º, férias, salário mínimo, previdência, diminui valor de horas extras e FGTS, entre outras perdas de direitos

Publicado: 23 Agosto, 2021 – Escrito por: Rosely Rocha

ANDRÉ ACCARINI

A reforma Trabalhista de Jair Bolsonaro (ex-PSL) disfarçada na Medida Provisória (MP) nº 1045, é o maior ataque aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras na história do Brasil. É  inconstitucional, afirmam os magistrados. Estimula o trabalho análogo à escravidão, denuncia o presidente da CUT, Sérgio Nobre. É o projeto da elite do atraso, diz ex-ministro do Trabalho, Luiz Marinho.

Se o Senado aprovar o texto da MP 1045, já aprovado na Câmara dos Deputados, o trabalhador poderá ganhar menos de um salário mínimo por mês, ter bolsa ao invés de salário e, ainda, ficar sem aposentadoria e auxílio-doença. Recorrer à Justiça para cobrar direitos também vai ficar impossível.

Confira 15 direitos fundamentais que a MP 1045 tira dos trabalhadores

 1 – É o fim da carteira assinada para muitos

A MP cria o Regime Especial de Qualificação e Inclusão Produtiva (Requip), que permite que empresas contratarem um trabalhador por dois anos, sem vínculo empregatício. As empresas

poderão ter até 15% de seus trabalhadores contratados neste modelo, sem direitos.

O programa é destinado aos jovens de 18 a 29 anos, que estão sem registro na Carteira de Trabalho há mais de dois anos, e a pessoas de baixa renda, oriundas de programas federais de transferência de renda, como o Bolsa Família.

2 – Trabalhador poderá ser contratado por metade do salário mínimo

Pelo Requip as empresas pagam apenas um bônus valendo metade do salário mínimo (R$ 550). Serão R$ 275 pagos pelos patrões e a outra metade pelo governo federal, a partir do próximo ano. As empresas só vão arcar com o total neste ano, caso a MP seja aprovada pelo Congresso Nacional.

3 – Fim do 13º salário

O trabalhador contratado pelo Requip não terá direito a receber o 13º salário.

Outro programa criado dentro da MP, o Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore), destinado à contratação de jovens de 18 a 29 anos e pessoas com idade igual ou superior a 55 anos, que estão sem vínculo formal por mais de 12 meses, também acaba com o 13º ao final do ano.

O valor do 13º será pago ao longo de 12 meses. Como o Priore permite pagar até no máximo dois salários mínimos (R$ 2.200) dificilmente um trabalhador poderá economizar a parcela e juntar até o final do ano, impossibilitando assim que ele tenha ao menos condições de comprar um panetone no Natal.

4 – MP acaba com FGTS e reduz percentual dos depósitos

Tanto o Requip quanto o Priore retiram direitos em relação ao Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço (FGTS)

Pelo Requip o trabalhador não terá direito a nenhum depósito do FGTS. Quando acabar o seu contrato sairá sem nada.

Já o Priore permite que empresas reduzam a multa sobre o FGTS de 40% para 20%. E também diminui o valor das contribuições feitas ao Fundo de Garantia. Hoje, a alíquota de contribuição para os trabalhadores com carteira assinada  é de 8%.

Com a MP, o trabalhador contratado por meio do Priore de uma empresa de grande porte vai ter depositado em sua conta 6%.

Para quem trabalha em empresa de médio porte este valor é reduzido para 4%.

As empresas de pequeno porte vão contribuir ao FGTS com apenas 2%.

5 – Trabalhador perde direito à aposentadoria e auxílio-doença

As empresas que contratarem pelo Requip não precisam depositar a alíquota referente ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que garante tempo de contribuição para a aposentadoria e direito ao auxílio doença.

O trabalhador que quiser contar o período de contratação para a aposentadoria vai ter de tirar do próprio bolso e pagar como contribuinte individual, de 11% a 20% sobre, ao menos, o salário mínimo (R$ 1.100). Além de arcar com a contribuição vai pagar mais do que quem tem carteira assinada, cujo desconto no contracheque gira em torno de 7,5% a 14%.

6 – Fim das férias remuneradas

O trabalhador contratado pelo Requip terá direito a um descanso de 30 dias ao fim de 12 meses, mas sem remuneração. É o mesmo que ficar desempregado por um mês.

7 – Redução de multas pagas ao trabalhador

O trabalhador não terá direito a 50% dos salários devidos, no caso de demissão do emprego antes do prazo de vigência estipulado no contrato.

8 – Restringe a fiscalização das empresas

A MP determina apenas a orientação, nos casos de descumprimento de normas de saúde e segurança do trabalho e  impõe uma dupla visita dos auditores fiscais do trabalho, inclusive nos casos em que o trabalhador é submetido a condições análogas à escravidão.
A primeira visita seria de orientação e somente na segunda haveria a multa. Na primeira visita só estão previstas multas na falta de registro de empregado, atraso de salário e não recolhimento de FGTS.

9 – Restrição à Justiça do Trabalho gratuita

Pela mudança só terá direito a Justiça gratuita a pessoa pertencente à família de baixa renda, com  renda familiar mensal per capita de até meio salário-mínimo (este ano, R$ 550); ou com renda familiar mensal de até três salários-mínimos (R$ 3.300).

Poderá também ter direito quem, durante a vigência do contrato de trabalho mais recente, tenha percebido salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), de R$ 6.433,57. Ou seja, terá direito à justiça gratuita apenas os trabalhadores com salários de R$ 2.573,42, ou que cumpram os requisitos de renda familiar descritas acima.

10 – Dispensa sem justa causa

A MP permite a possibilidade de dispensa sem justa causa, mesmo havendo em seu texto a garantia provisória de emprego durante a sua vigência.

11- Trabalhador paga por erro de empresa no BEm

Em caso de recebimento indevido do Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, por erro do empregador ou do próprio governo, haverá desconto dos valores nas futuras parcelas de abono salarial ou de seguro desemprego a que o trabalhador tiver direito.

12-  Substituição de trabalhadores

Como as empresas podem contratar 15% do seu quadro funcional  pelo Requip e outros 25% pelo Priore, existe a possibilidade de até 40% dos trabalhadores mais antigos e com melhores salários serem substituídos por esses modelos , mesmo que a MP “proíba” este tipo de substituição.

As brechas são as barreiras à fiscalização dos auditores fiscais do trabalho que só poderão aplicar multas na segunda visita e à justiça gratuita ,que pode inibir os trabalhadores de procurarem seus direitos.

13 – Prejudica saúde do trabalhador

Manter a saúde do trabalhador de forma preventiva também é um direito retirado pela MP. O texto diz que o empregador poderá, a seu critério, optar pela realização dos exames médicos ocupacionais periódicos, para os trabalhadores em atividade presencial ou em teletrabalho, por meio de telemedicina, sem diferenciar o tipo de atividade exercida.

14 – Prática antissindical

No texto da MP 1045  sobre o Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, de  redução de  jornada e salários e suspensão de contratos, o trabalhador que quiser a proteção do sindical poderá ter prejuízos financeiros.

O trabalhador que fizer acordos individuais de redução de salários e jornadas, que podem ser de 25%, 50% ou 70%,  receberá como complemento  mesmo percentual do seguro-desemprego que teria direito caso fosse demitido. O teto do seguro-desemprego é de R$ 1.911,84. Por exemplo, um trabalhador que tenha direito ao teto e teve 50% de corte na jornada e salários vai receber como complemento R$ 955,92, por mês.

Mas, para impedir que sindicatos possam fazer acordos melhores para os trabalhadores com reduções abaixo de 25%, o governo não vai pagar nada de complemento salarial.

Nos acordos coletivos com reduções de 25% a 50%, o  benefício será de apenas 25% do seguro-desemprego, ao contrário dos acordos individuais que podem receber 50% do valor. 

Nas reduções salariais maiores que 50% e até 70%, o benefício será da  metade do seguro-desemprego. Nas reduções mesmo que maiores do que 70%, o valor do seguro-desemprego se limitará a 70%.

15 – Menos impostos com prejuízos à  população em geral 

A empresa por “ contratar” pelo Requip ainda terá benesses do governo federal.  Os patrões poderão deduzir o pagamento do Requip da base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). A empresa também poderá reduzir de 30% para 15% o que paga ao Sistema S.

A redução de impostos prejudica a arrecadação da União, estados e municípios que ficam sem recursos para investir em serviços públicos gratuitos para a população.

*Edição: Marize Muniz

 

 

Na comunidade do engenheiro Jac-Ssone Alerte, só restaram duas casas em pé – justamente as que ele construiu

Daniel Giovanaz/Brasil de Fato | São Paulo (SP) | 23 de Agosto de 2021

Jac-Ssone e Teresa, a primeira a morar em uma casa do projeto Village Marie – Arquivo pessoal

O estudante haitiano Jac-Ssone Alerte cresceu em uma comunidade sem água encanada e sem energia elétrica, sonhando cursar uma faculdade fora do país. Quando terminou o ensino médio, escreveu cartas para todas as embaixadas que tinham relação diplomática com o Haiti.

Quase vinte anos depois, formado em Engenharia Civil na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele voltou à comunidade onde cresceu e lidera um projeto para construção de vilas autossustentáveis.

Uma das motivações do engenheiro é a construção de casas resistentes e duráveis, para evitar que mais pessoas morram vítimas de abalos sísmicos.

O terremoto de magnitude 7,2 que atingiu o sul do Haiti no último sábado (14) deixou cerca de 2,2 mil mortos e derrubou quase 60 mil casas no país. No bairro onde vive Jac-Ssone, a pouco mais de 200 km da capital Porto Príncipe e a 100 km do epicentro, só duas casas resistiram, de um total de cem – justamente as que ele construiu.

Entre dores e sonhos

Devido à localização e à precariedade da infraestrutura, Don de l’Amitié foi assolada por várias catástrofes naturais neste século.

O terremoto que matou 300 mil haitianos em 2010 mudou os planos de Jac-Ssone, que cursava Odontologia no Brasil. Ao saber que milhões de compatriotas estavam desabrigados, ele decidiu mudar de área.

No penúltimo ano do curso de Engenharia, o haitiano também acompanhou de longe os estragos causados pelo furacão Matthew.

Na época, em 2016, cada pessoa de sua comunidade vivia com cerca de US$ 0,11 por dia – o equivalente a R$ 0,63.

“Eu via o país sendo destruído e pensava o que poderia fazer para mudar o futuro complexo que estava pela frente”, relata.

Jac-Ssone Alerte, no dia da formatura, com um tijolo ecológico na mão / Arquivo pessoal

Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele passou a integrar o centro de pesquisas Projeto Solução Habitacional Simples (SHS), voltado para a reconstrução de residências populares após desastres naturais.

Ainda em 2016, Jac-Ssone perdeu a mãe Marie, vítima de diabetes.

“Ela me deixou três lições. A primeira é que a gente tem que amar o que faz. A segunda foi sobre educação: tem que estudar muito para sair da escuridão. A última tem a ver com identidade. Ela disse que eu tinha que assumir para o mundo que eu sou haitiano, e nunca esquecer onde eu nasci”, lembra o engenheiro.

Essa sequência de eventos trágicos foi decisiva na criação do projeto Village Marie, batizado em homenagem à mãe de Jac-Ssone.

Os primeiros tijolos

Com o diploma na bagagem, o haitiano voltou para casa no final de 2019, meses antes da pandemia.

“Quando cheguei, minha comunidade era uma roça. Não tinha energia, todo mundo usava velas à noite. Não tinha água, não tinha casa segura. Conversando com você agora [pela internet], parece que eu estou na Europa!”, brinca.

“Todo mundo quer mudar o mundo, mas ninguém quer mudar a sua comunidade, a sua casa. E eu me propus a criar o primeiro modelo de comunidade autossustentável e inteligente do Haiti, com casas resistentes, com tecnologia e lazer. Selecionamos 15 famílias de um universo de cem que viviam em Don de l’Amitié.”

Projeto prevê erguer inicialmente quinze casas populares; duas já estão finalizadas, e outras duas estão em construção / Divulgação / Village Marie

A primeira tarefa do projeto Village Marie era organizar as pessoas. “O que eu queria era fazer a inovação de base. Ou seja, tirar o conhecimento complexo da universidade e levar para pessoas comuns”, diz. “Começamos do zero. Inclusive estrada tivemos que fazer, até iniciar de fato o Village.”

O tijolo usado para construir as casas é ecológico e inteligente.

“É muito simples. O mesmo solo que você tira para fazer a fundação, você trata com água e obtém o tijolo. É maravilhoso, e não emite CO2”, ressalta o engenheiro.

“Não é obra minha, eu só estou aprimorando. A inovação aqui é menos no tijolo do que no processo, na linha de produção das casas. Aqui no Village, a gente tenta concentrar toda a inovação do mundo num espaço só.”

Por que as casas são seguras

Jac-Ssone trabalha com o conceito de casa para-sísmica, ou seja, uma moradia resistente e durável que, na pior das hipóteses, “avise” antes de cair.

“Diante de um terremoto de grande magnitude, o tijolo ecológico vai soltando pedacinhos, e isso dá tempo para quem está dentro sair. Não existe a possibilidade de uma casa cair na sua cabeça, e é isso que mais mata”, explica.

O antes e depois da casa de Teresa, a primeira beneficiada pelo projeto / Divulgação / Village Marie

O que mantém a casa em pé não é o tijolo em si, mas a estrutura, que envolve técnicas específicas. O custo final é de aproximadamente R$ 30 mil. Com dez pessoas trabalhando na obra, o tempo mínimo para erguer uma casa nesses moldes é de 24 dias, se não houver intempéries.

“E estamos provando a resistência das casas no pior cenário, que é um terremoto e, em seguida, um ciclone”, observa o engenheiro.

“As nossas duas casas ficaram em pé, assim como as duas que estão em construção. Todo o resto caiu ao chão: 90% das casas da comunidade foram destruídas, caíram inteiramente, e nas outras só restou uma madeira, uma laje.”

O projeto Village Marie depende de financiamento coletivo, e a maior parte são doadores brasileiros.

“Eu não posso vender para o mundo que a nossa casa não cai. A casa do Village pode cair, dependendo do movimento do terremoto, que é aleatório, mas não cai de uma vez só e não vai te matar”, garante Jac-Ssone.

“Estar aqui na comunidade onde eu cresci, e agora de volta, trazendo esperança, eu acho incrível. O terremoto é poderoso, pode ser muito maior do que nós, mas não podemos fugir do problema. Temos que encará-lo e tentar resolvê-lo”, finaliza.

Edição: Leandro Melito

 

 

 

 

 

A projeção será no Jitsi Meet  para inscrito(a)s e o debate acontecerá no canal do Youtube do CRM-SSA. Só os inscritos na atividade receberão certificado. Acesse o link: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSfvCtVIIX0skTF_SxnEtI8r_tiJaqKJl_gbRvZrCEJHkDTR7Q/viewform?usp=sf_link

Debate com:

– Daiane dos Santos – Campeã mundial de ginástica artística, influenciadora esportiva e fundadora do projeto “Brasileirinhos”.

Três integrantes do projeto “Destemidas”, da Organização Luta Pela Paz:

– Viviane Carmen Santos – Assistente social, coordenadora do projeto Destemidas, mestranda do PPDH/NEPP-DH;

– Larissa Dourado da Silva – Psicóloga social e esportiva;

– Gabrielle Gonçalves – Atleta e educadora esportiva de judô.