De acordo com Alberto Chebabo, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, diretor da Divisão Médica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho e membro do Comitê Científico da Prefeitura do Rio, a variante ômicron só é menos agressiva nos vacinados. Nos demais pode gerar sintomas graves, do mesmo jeito que outras variantes.
E como é uma cepa mais transmissível, tem causado um número grande de casos, maior que nas ondas anteriores, e isso também acaba refletindo no número de mortes, explica o especialista. Segundo ele, 90% dos casos são de não vacinados. Outro segmento muito atingido são os idosos sem a terceira dose e imunossuprimidos (pessoas com imunidade baixa).
“Esta é a população que mais está sendo vitimada. Quem tomou a vacina, abaixo de 60 anos, raramente tem complicação a não ser os imunossuprimidos. Agora idosos, a princípio não vacinados ou com esquema incompleto, têm risco alto de morte”, diz Chebabo.
Queda no Rio
Depois de mais de dois meses dos primeiros casos de ômicron nos primeiros estados em que a variante apareceu, o número de casos mostra sinais de queda, embora ainda em muitas regiões do país a medida móvel siga alta. A maioria das mortes, no entanto, na onda atual é de não vacinados ou de quem não completou a imunização, reafirma o infectologista.
Segundo dados das secretarias estaduais divulgados pela mídia, no Rio de Janeiro as pessoas não vacinadas ou que receberam apenas uma dose têm 73% mais risco de serem internadas do que quem tem duas doses. Em São Paulo, estudo do hospital de referência para casos graves de covid, o Emílio Ribas, 82% dos internados não tinham as três doses.
Chebabo reitera que o número de casos na cidade do Rio de Janeiro está caindo bastante. Há uma queda importante no número de internações. Mas, ele avalia que a média no número de mortes ainda vai demorar mais a cair, porque os dados sofrem um atraso no registro de duas a três semanas.
“A gente espera que os indicadores comecem a cair no final do mês, em umas duas semanas, com impacto no número de mortes também. Mas, por enquanto, tem esse atraso (entre queda dos casos e número de mortes), porque a notificação (de óbitos) demora mais”, diz ele.
No Brasil, a curva ascendente pode se estabilizar daqui a umas duas semanas. No Rio, um dos primeiros lugares em que começou a circulação da variante, a redução do número de casos ocorre há quase duas semanas.
Volta às aulas
Para o infectologista não tem justificativa os estudantes deixarem de voltar às aulas. Ele lembra que, na UFRJ, por exemplo, só pode voltar quem está vacinado. Com a vacina, explica, o risco de complicação é reduzido. Este viés de queda de casos somado ao fato de que a população está se protegendo com a vacina, não deverá trazer prejuízo. Também não há nenhuma medida restritiva neste sentido imposta na cidade. Para ele, o afastamento de estudantes não tem justificativa na UFRJ ou em lugar algum.
Instituição já possui cotas sociais, mas o ingresso de pretos e pardos nos cursos mais disputados é inexpressiva
Roberta Brandão Amazônia Real /8 de Fevereiro de 2022
A estudante Ariely Jorge, do curso de Ciências Sociais, não se esquece do dia em que entrou em um curso de medicina da Universidade Estadual do Pará (Uepa). Era 2020 e ela fazia uma panfletagem sobre pautas de interesse do coletivo Juntas e Juntos. Ao entrar em uma sala, uma cena falou mais alto. “Não havia nenhuma pessoa preta em uma sala com no mínimo 40 alunos. Isso pra mim foi um choque, foi muito marcante”, lembra. A situação se repetia em outras turmas. Na última turma, que se formou no ano passado, só havia dois negros. A promessa é que, com a adoção de cotas raciais a partir do vestibular de 2023, a Uepa comece a mudar essa realidade.
A universidade estadual paraense aplica cotas sociais nas seleções para o vestibular desde 2016. Mas elas não foram suficientes, nesses últimos cinco anos, para reverter a falta de diversidade racial em alguns dos cursos universitários. Um estudo realizado em 2020 pela Diretoria de Acesso e Avaliação (DAA) da Uepa mostrou que pretos e pardos já são maioria na instituição, mas a distribuição pelos câmpus permanece concentrada, como no caso do curso de medicina. “Apenas 1% dos estudantes são indígenas, 17% alunos pretos e 53 ̈% pardos. Mas no centro de biológicas e de saúde esse número não chega nem a 11%”, afirma o professor Aiala Colares, diretor da DAA. Neste centro, estão cursos concorridos como medicina, terapia ocupacional, Enfermagem, fisioterapia, biomedicina e fonoaudiologia. Colares foi um dos professores que liderou os estudos para a aprovação da resolução das cotas étnicos-raciais.
O Pará foi o primeiro estado da região Norte a aprovar e sancionar, em 12 de novembro de 2021, uma legislação sobre o Estatuto da Equidade Racial. A Lei nº 9.341, de autoria do deputado estadual Carlos Bordalo (PT-PA), prevê a destinação de 40% das vagas em processos seletivos de instituições estaduais do ensino superior para candidatos negros. O estatuto estadual forçou a Uepa a enfrentar esse problema com mais empenho.
“Quando olhamos para essa distribuição nos cursos de fisioterapia, medicina, enfermagem é que a gente consegue entender que as cotas sociais não são eficazes 100%, porque elas não atingem todos os cursos. A maior parte dos alunos que se declaram pretos e pardos estão nos cursos de licenciatura”, explica Colares.
A Uepa já contava com grupo de estudo e pesquisa como o Núcleo de Estudos Afros Brasileiro (Neab). O texto da resolução 2021/1227132, que institui as cotas raciais, teve a participação do movimento negro paraense, Integrantes da OAB, da Associação do Movimento Afrodescendente do Pará (Mocambo), do Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará (Cedenpa) , estudantes e simpatizantes da causa.
No vestibular de 2023, a previsão é que de 600 a 700 alunos ingressem na Uepa pelas cotas raciais. Em entrevista à Amazônia Real, o reitor da Universidade, Clay Chagas, afirmou que a instituição fará um estudo para definir todos os critérios para a distribuição das cotas raciais e sociais.
Atualmente, a Uepa oferta o curso de licenciatura intercultural com turmas inteiras compostas de indígenas e realizadas em aldeias, com oito turmas formadas. Mas a pesquisa apontou que tal ação também não era suficiente para promover a representatividade indígena. “Numa narrativa do olhar da Universidade já parecia que ela não dava conta. Mas entre a percepção e o que era verdadeiro precisava de um levantamento. E a gente mostra com dados que não dava conta mesmo dessa demanda étnico-racial”, afirma o reitor Clay Chagas.
Em 2007, o Cedenpa apresentou uma proposta de redação para uma Lei que garantisse as cotas raciais no ensino superior. A ex-governadora Ana Júlia Carepa (PT) vetou grande parte do projeto, incluindo o percentual destinado a negros e indigenas nas instituições estaduais. O assessor jurídico da então governadora alegou inconstitucionalidade do texto, mesmo com a existência da Lei Federal 12.711, em vigor desde 2012.
“A doença social mais difícil de vencer no Brasil é o racismo. Isso tem a ver com a questão da pirâmide social”, afirma a militante do movimento negro do Pará, Nilma Bentes. “Já era o momento da gente ter uma influência forte, se não fosse tão arraigado, tão profundo o racismo no Brasil, então a gente anda com o freio de mão puxado.”
Para o professor Aiala Colares, falta mobilização dentro da própria instituição para uma ação mais afirmativa. “Quando o sistema não é cutucado, ele se mantém sem nem trazer o debate.É importante trazer a reflexão que muitos professores só se reconheceram enquanto negros recentemente” disse. “Ninguém nasce negro as pessoas se tornam negras. E talvez o ambiente acadêmico seja um espaço que mais embranquece o negro, sobretudo pela literatura que ele tem contato, pelo comportamento dos outros que ele observa, pela estrutura racializada que é uma Universidade. As cotas não resolvem, mas aliviam a dor.”
Revisão da lei de cotas
No Brasil, as cotas raciais se tornaram lei para instituições federais no ano de 2012. O artigo 3 da Lei 12.711/2012 determina que sejam destinadas um número de vagas proporcional ao número de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população. Em 2019, a deputada Dayane Pimentel (PSL-BA) propôs um projeto de lei que alterava a Lei de Cotas, retirando o mecanismo de cotas raciais. Houve manifestação contrária do Ministério Público Federal e o PL foi arquivado a pedido da autora.
Em dezembro de 2021, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) aprovou o PL 1788, que dispõe sobre a prorrogação do prazo de vigência da Lei de Cotas, de autoria do deputado Bira do Pindaré (PSB/MA). A relatora da proposta, a deputada federal paraense Vivi Reis (PSOL/PA), conseguiu aprovar o texto com o substitutivo que prevê avaliação e não mais a revisão após 20 anos.
Em entrevista à Amazônia Real, a professora e coordenadora da Assessoria da Diversidade e Inclusão Social (ADIS) da Universidade Federal do Pará, Zélia Amador de Deus, afirmou que o texto da lei de cotas até pode ser modificado, mas ela não acredita no fim dessa política de ação afirmativa. “Quando ela começou era só cota PPI, pretos, pardos e indígenas, cota renda e escola pública. tudo vinculado à escola pública”, lembra. O que ocorreu desde então foram acréscimos na inclusão de mais atendidos pelas cotas. Em 2016, foram as pessoas com deficiência, por exemplo. “Eu não tenho medo de que o projeto seja extinto. Em abril de 2012, o Supremo determinou que as cotas são constitucionais. Agora, a gente precisa estar organizado para que o projeto não seja desvinculado.”, explica.
Sujeitos de estudo
Referência no movimento negro da Amazônia, Zélia participou do processo para a implementação das cotas étnico raciais no Brasil. Em 1995, a professora da UFPA fez parte de uma grupo de trabalho interministerial criado pelo então então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, em resposta a uma grande marcha do movimento negro durante o aniversário de 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares. “Foi nesse grupo que pela primeira vez a gente vai falar de política de ação afirmativas no Brasil. Então muitas propostas vão surgir como resultado desse grupo, incluindo as cotas étnicos-raciais”, relata.
Em 2001, Zélia Amador integrou delegação brasileira na Conferência de Durban, a Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância promovida pela ONU. E foi uma das integrantes que levou o relatório produzido, com muitas influências do GTI da população negra, para a conferência.
Nos anos seguintes, as universidades começaram a implementar o sistema de cotas. A primeira é a instituição estadual Uerj e, no âmbito federal, a UNB, que contou com a contribuição de Zélia para a construção do texto e a implementação das cotas. Ela também integrou uma comissão que discutia educação para afrodescentes no MEC.
Ao retornar para o Pará, Zélia trouxe o debate das cotas para a UFPA. Em 2003, foi criado o grupo de estudos afroamazônico, que teve como primeira proposta a criação de cotas para negros. “Acabei participando não só em nível nacional, mas também em nível regional. Eu trabalho com isso desde 96”, explica ela.
Zélia Amador lembra que o ingresso dos cotistas acaba mudando as paisagens externa e interna da instituição. “É um corpo que conta história de resistência e opressão. E faz com que essas pessoas levem para dentro das instituições as suas cosmovisões, as suas experiências”, explica. Pretos, pardos e indígenas já são estudados na academia há algum tempo, mas para Zélia as ações afirmativas mudam essa chave. “A cota vai propiciar que estes grupos deixem de ser objetos de estudo e passem a ser sujeitos de estudo. Sujeito no processo de produção de conhecimento”, finaliza a professora.
Distribuição gratuita de absorventes, lei das patentes e privatização da Eletrobras estão na pauta
Paulo Motoryn/Brasil de Fato | Brasília (DF) | 8 de Fevereiro de 2022
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), convocou para esta terça-feira (8), às 14 horas, a primeira sessão do Congresso deste ano. Na pauta está a análise de vetos presidenciais.
Na lista dos 19 vetos a serem analisados está o que trata da distribuição gratuita de absorventes para estudantes de baixa renda, pessoas em situação de rua e mulheres detidas no sistema prisional.
Para a derrubada dos vetos, é necessária a maioria absoluta, ou seja, 257 votos de deputados e 41 votos de senadores, computados separadamente. Clique aqui e acesse a íntegra da pauta e do texto dos vetos presidenciais.
Absorventes
A distribuição gratuita de absorventes para estudantes de baixa renda e mulheres em situação de rua foi aprovada no ano passado como uma medida de combate à pobreza menstrual (PL 4968/19), mas sofreu veto do presidente da República, Jair Bolsonaro.
O dispositivo integrava o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, sancionado e transformado na Lei 14.214/21. De autoria da deputada Marília Arraes (PT-PE), a matéria foi relatada no Senado por Zenaide Maia (Pros-RN).
O governo alega que “os absorventes higiênicos não se enquadram nos insumos padronizados pelo SUS, portanto não se encontram na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais, além disso, ao estipular as beneficiárias específicas, a medida não se adequaria ao princípio da universalidade, da integralidade e da equidade no acesso à saúde do SUS”.
A coordenadora da bancada feminina na Câmara, deputada Celina Leão (PP-DF), avalia que há apoio majoritário dos parlamentares para a derrubada desse veto. A deputada destacou a gravidade da pobreza menstrual, principalmente entre meninas em idade escolar. “As meninas em situação de vulnerabilidade que vão para nossas escolas púbicas chegam a perder um mês do ano letivo pela falta de absorventes”, alertou.
Adoção
O veto mais antigo de Bolsonaro aguardando votação dos parlamentares é o VET 14/21, veto total ao PL 8219/14. De autoria do então senador Antonio Carlos Valadares, o projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados em dezembro de 2019. O texto altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para prever tentativas de reinserção familiar da criança ou do adolescente antes da decisão definitiva de adoção.
Na mensagem de veto, Bolsonaro afirma que, embora meritória, a tentativa de reinserção da criança ou do adolescente na família biológica poderia aumentar o prazo para a adoção. “As tentativas de reinserção familiar da criança ou do adolescente podem se tornar intermináveis, revitimizando os adotandos a cada tentativa de retorno à família de origem, a qual pode comprometer as chances de serem adotados em definitivo”, justifica Bolsonaro.
Eletrobras
Também está na pauta de votações do Congresso o veto parcial (VET 36/21) ao projeto de lei de conversão que modificou a MP de privatização da Eletrobras (MP 1031/21). O texto foi aprovado pela Câmara em maio do ano passado e transformado na Lei 14.182/21. Bolsonaro vetou diversos artigos, como a possibilidade de empregados demitidos após a privatização adquirirem ações da empresa com desconto. Para ele, vendas de ações dessa forma tipificam conduta ilegal de distorção de práticas de mercado.
Também foi vetada a permissão para que funcionários demitidos da Eletrobras até um ano após a privatização sejam realocados em outras empresas públicas. Nesse caso, Bolsonaro alegou que práticas desse tipo violam a Constituição em relação ao acesso a emprego público por concurso.
Quebra de patentes
Já o Projeto de Lei 12/21, que permite ao governo federal quebrar a patente para produzir medicamentos e vacinas nos casos de emergência nacional ou internacional em saúde, foi vetado parcialmente e transformado na Lei 14.200/21. O texto foi aprovado pela Câmara em julho do ano passado.
Agora os parlamentares precisam analisar os cinco dispositivos vetados pelo presidente Bolsonaro (VET 48/21), que determinam a quebra temporária de patentes de vacinas e insumos em períodos de emergência ou estado de calamidade pública.
Propaganda partidária
Aprovado em dezembro no Plenário do Senado, o PL 4572/19, dos senadores Jorginho Mello (PL-SC) e Wellington Fagundes (PL-MT), deu origem à Lei 14291/22, que restabeleceu a propaganda gratuita dos partidos políticos no rádio e na televisão, mas o Executivo vetou a previsão de compensação fiscal às emissoras de rádio e de televisão pela cessão do tempo. Essa compensação seria financiada pelo Fundo Partidário.
O governo alegou que a medida seria um benefício fiscal, com consequente renúncia de receita, sem observância da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Sobras eleitorais
Outro item na pauta é o veto de Bolsonaro a dispositivos que alteravam a quantidade de candidatos que cada partido poderia registrar para os cargos proporcionais na Lei 14211/21, que muda as regras para distribuição das “sobras” eleitorais — as vagas não preenchidas pelos critérios do sistema proporcional.
Pelo projeto aprovado por deputados e senadores — PL 783/21, do senador Carlos Fávaro (PSD-MT) —, o número iria variar de acordo com a representação de cada unidade da federação na Câmara. Nas unidades com até 18 deputados federais, cada partido poderia registrar candidatos até 150% das respectivas vagas. A mesma regra de 150% das vagas valeria para os candidatos a vereador em municípios de até 100 mil eleitores.
Com a suspensão dos dois dispositivos por meio do veto, fica mantida a regra atual. Segundo a Lei 9504/97, cada partido pode registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa do DF, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 100% do número de lugares a preencher mais um. Para o Poder Executivo, o veto evita a pulverização de candidaturas, facilita a identificação do eleitor com os candidatos e racionaliza o processo eleitoral.
Com informações da Agência Câmara de Notícias e da Agência Senado.
Considerada uma referência por sintetizar a cultura negra no samba, a cantora e compositora com importante papel social é revisitada em matéria especial que traz entrevistas com o historiador Vinicius Natal, o sambista Nei Lopes e com Ana Rieper, diretora do filme Clementina, em exibição na plataforma gratuita de streaming voltada para o cinema nacional, Itaú Cultural Play.
No dia em que Clementina de Jesus completaria 120 anos— segunda-feira, 7 de fevereiro –, o site do Itaú Cultural, www.itaucultural.org.br, traz matéria especial. Entrevistados pelo jornalista do Núcleo de Comunicação William Nunes, o historiador Vinicius Natal, o sambista Nei Lopes e a documentaristas Ana Rieper, falam da vida e trajetória da cantora e compositora nascida em Valença, no Rio de Janeiro, e do papel social que ela exerceu na vida das pessoas por meio do samba.
Ana também é diretora de Clementina. O documentário realizado em 2018 revela e recupera o legado artístico e a trajetória biográfica da neta de escravos de uma fazenda de café, carnavalesca, cantora e dona de uma voz excepcional forjada na experiência do samba do morro. Disponível na plataforma de streaming gratuita Itaú Cultural Play – acessível para os dispositivos móveis Android e IOSem www.itauculturalplay.com.br –, o filme foi construído entre imagens de arquivo, depoimentos de amigos e muito canto e batuque. Ele revela como Clementina de Jesus tornou-se elo entre a música brasileira e suas raízes africanas e desvenda o seu universo próprio de representação da cultura negra.
Para Ana, um dos maiores desafios para a realização desse filme foi encontrar a linha narrativa. “Essa personagem abre tantas portas que dão sentido ao nosso mundo, que falar sobre Clementina me parecia ser falar sobre o universo – muito vago como proposta artística”, conta ela. Por fim, a diretora encontrou o ponto de partida para a construção do roteiro, durante a pesquisa. “Buscamos aspectos de sua vida familiar, cotidiana e artística, que dessem notícia da Clementina como uma pessoa que concentra em sua vivência aspectos importantes da cultura da diáspora africana no Brasil. Este foi o fio da meada para todo o resto”, conclui.
Afro-brasilidade
“A trajetória de Clementina se constrói por meio de uma herança africana ressignificada no Brasil, ou seja, uma herança afro-brasileira”, diz Natal. Para ele, com esta base e sem se esforçar, ela demonstrava forte consciência política e racial. “As pessoas ficavam chocadas com a naturalidade com que ela tratava o preto pobre. Mas ela pertencia àquele grupo e o entendia como seu igual”, observa ele. “O fato de ter gravado discos e feito alguns shows, apesar de ter sido pouquíssimo reconhecida ainda em vida, não a tirava desse prumo”, complementa.
Clementina estreou na música quando somava mais de 60 anos de vida, no espetáculo Rosa de ouro em 1964, no Rio de Janeiro, ao lado de Paulinho da Viola, Nelson Sargento e outros artistas. Seu primeiro disco solo foi lançado dois anos depois, em 1966. Na entrevista, Nei Lopes relembra momentos marcantes de Clementina no palco, como em sua apresentação no Teatro Jovem, na Zona Sul do Rio de Janeiro.
“A montagem do musical Rosa de ouro era pobrezinha, mas a entrada de Clementina em cena foi apoteótica, surpreendente mesmo”, conta ele. “Ao som de um rufo de atabaque, seu perfil era projetado numa tela branca, possivelmente um lençol comum, em contraluz. Seu vozeirão cantava o refrão do ‘Benguelê’, de Pixinguinha e Gastão Viana. Aquilo arrepiou todo mundo, mexendo muito comigo.”