Com muita tristeza assistimos a devastação da cidade de Petrópolis em consequência das fortes chuvas das últimas horas. Toda nossa solidariedade às famílias que neste momento sofrem pela perda de seus entes queridos e com às que estão desabrigadas, porque perderam suas casas com todos os seus pertences materiais e suas lembranças. Entre essas pessoas, encontram-se parentes e amigos servidores da UFRJ. Saibam, companheiras e companheiros, a sua dor é também nossa dor.

A direção do Sintufrj orienta a categoria a encaminhar para a sede e as subsedes do HU e da Praia Vermelha, suas doações para serem encaminhadas às vítimas das chuvas em Petrópolis. Mantimentos não perecíveis, material de higiene pessoal e coletivo, roupas, cobertores, máscaras, álcool 70, água mineral, enfim, o que for possível, são muito bem-vindos, entre outros

Diretoria do Sintufrj — Gestão Ressignificar

DRH do HUCFF também é ponto de coleta de doações para os desabrigados, que serão entregues pelo Sintufrj

Bairro Castelânea em Petrópolis, após fortes chuvas que atingiram a região Serrana do Rio | Tânia Rêgo/ Agencia Brasil

Onze anos após a maior catástrofe climática da história do Brasil na Região Serrana, a Cidade Imperial se viu debaixo de lama. A tragédia de 15 de fevereiro de 2022 em Petrópolis provocada por um volume de chuva que não se via há 90 anos veio de forma avassaladora deixando um rastro de mortes, uma legião de desabrigados, muita destruição e muita dor. Até quinta-feira, 17, dois dias após o temporal, o número de mortos já passava de 100 e de desabrigados chegava a 700. A população permanecia sem água, luz e transporte urbano. 

Mas a destruição e mortes no município serrano não se deve apenas a natureza — no planeta a crise climática vem produzindo desastres em escala mundial. No Brasil, no Rio de Janeiro, em 11 anos, o estado teve cinco governadores e nenhum deles desenvolveu e colocou em prática um plano de prevenção eficiente para evitar que as chuvas que frequentemente caem na Região Serrana se tornassem grandes tragédias nacionais, protegendo assim a população e mitigando seu sofrimento.

Triste repeteco

O ano de 2011 marcou a maior catástrofe climática do país, quando uma forte chuva devastou vários municípios serranos, cujo saldo foi mais de 900 mortos e quase 100 desaparecidos. Petrópolis estava entre as cidades mais atingidas. Na opinião de especialistas, de lá para cá pouco foi feito para resolver questões determinantes como: recuperação de encostas; reflorestamento das margens dos rios; demolições de casas em locais de risco; e realocação de moradores que vivem em terrenos instáveis.

Na avaliação de geógrafos, ações como essas poderiam reduzir os danos causados por chuvas como a da última terça-feira, 15, em Petrópolis. Em 1981 houve uma chuva torrencial, enchente e mortes em Petrópolis. Em 2013, dois anos após a grande catástrofe de 2011, o município foi novamente castigado pelas fortes chuvas e pouco se fez. Estamos em fevereiro de 2022 e outra tragédia acontece de forma avassaladora. Os mortos passaram de 100, dezenas de casas foram destruídas e ruas devastadas. Os desabrigados, segundo informou a Secretaria Estadual de Defesa Civil nesta quinta-feira, 17, 700 ao todo, foram encaminhados para os pontos de apoio montados nas escolas. Contabilizava-se mais de100 desaparecidos. 

As regiões do primeiro distrito foram as mais afetadas, sendo o Alto da Serra uma das localidades mais devastadas e o Morro da Oficina o mais atingido. Sob ele calcula-se que há o maior número de vítimas. O Centro Histórico virou um grande lamaçal. Estado de calamidade pública foi decretado pela Prefeitura.

Buscas desesperadas  

As buscas chegaram a reunir mais de 500 pessoas, entre moradores que usaram suas mãos, pás e enxadas para revirar os escombros na tentativa de encontrar familiares, e equipes dos Bombeiros, Exército e Defesa Civil.

Negligência

Relatório final da CPI da Alerj que investigou a atuação dos órgãos públicos diante da tragédia de 2011, indicou 42 recomendações para evitar novas catástrofes naturais. Passados 11 anos, muito pouco foi colocado em prática. Essa tragédia poderia ter sido evitada e ou diminuída. O resultado é muita dor e desespero para as famílias atingidas que perderam entes queridos e seus lares. Foram filhos, mães, pais, avós e crianças arrastados pela enxurrada, soterrados. No fim quem sempre paga é o povo.

Segundo Thiago Amparo, professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP, em artigo na Folha de São Paulo, as mortes em Petrópolis decorrem igualmente da negligência estatal em adaptar cidades para o novo normal climático: extremos.

“A crise climática corta as veias desiguais das cidades, expondo a quão paupérrima tem sido a implementação local de mecanismos de adaptação à crise climática ou mitigação de seus efeitos. A crise climática é global, mas as mortes são locais e, dolorosamente, desiguais. Não é com hashtags e voluntarismo privado em doações – embora cruciais– que vamos evitar novas tragédias como a de Petrópolis: é pelo reconhecimento de que a tragédia não é natural, mas humana, tal como a negligência estatal que deixou que dezenas morressem, de novo.”

Solidariedade

Mas a solidariedade é o sentimento que impera nos brasileiros e vem a galope. Pessoas e instituições se unem numa corrente de ajuda e apoio solidariedade à população de Petrópolis. 

O Sintufrj está junto nesta corrente de solidariedade, ainda mais que entre os moradores de Petrópolis encontram-se parentes e amigos de servidores da UFRJ. As doações podem ser feitas até o dia 24 de fevereiro, nos seguintes horários: na sede da entidade, no Fundão, das 9h às 17h; na subsede da Praia Vermelha, das 10h às 15h; e na subsede do HUCFF, das 10h às 15h.

A Divisão de Recursos Humanos (DRH) do HUCFF também está recolhendo doações que serão entregues pelo Sintufrj em Petrópolis. As contribuições devem ser feitas das 8h às 15h, de segunda a sexta, no 1º andar, Sala 1D42, em frente à Direção-Geral.

 

 

Preços do gás de cozinha, energia e alimentos pressionam a inflação sentida no bolso das famílias mais pobres

Publicado: 17 Fevereiro, 2022 – Escrito por: Rosely Rocha | Editado por: Marize Muniz

ROBERTO PARIZOTTI (SAPÃO)

O ano de 2022 não começou bem para as famílias de baixa renda que viram o poder de compra diminuir ainda mais com a alta de preços de produtos básicos como gás de cozinha, energia e alimentos, no caso deste último, embora os preços estejam mais estáveis, não baixaram. Em janeiro deste ano, inflação foi a maior em seis anos.

Para as famílias de renda muito baixa, a inflação em janeiro deste ano (0,63%), é o triplo em relação ao  mesmo mês de 2021, que foi de 0,21%. Já nos últimos 12 meses, a inflação para essa faixa de rendimento e também para as famílias de renda média-baixa ficou 1% acima do custo de vida em relação a quem tem renda mais elevada.

Nestes 12 meses, o custo de vida dos mais pobres chegou a 10,5%; os de renda média-baixa a 10,8%. Já no caso das famílias de classe alta, a inflação ficou em um dígito: 9,6%, segundo o indicador “Inflação por faixa de renda”, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

O IPEA considera renda alta, famílias que somam rendimento de mais de R$ 16.509,66 por mês; média-baixa, de R$ 2.702,88 a R$ 4.506,47; e muito baixa, as familias que somam rendimentos de menos de R$ 1.650,50.

Por que os pobres sentem mais a inflação

Os pobres sentem mais a inflação porque produtos básicos não podem ser substituídos, como são os casos da energia, da água e do gás de cozinha, que mais pressionaram os preços para esse estrato social, explica a técnica da subseção da CUT Nacional do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Adriana Marcolino.

Em 12 meses, as tarifas de energia aumentaram 27% e o botijão de gás de 13 quilos, 31%, diz a técnica, que lembra que os consumidores não podem trocar os fornecedores de produtos como  energia e água e, portanto, as dicas para economizar tratam sempre de usar menos, fechar a torneira ou apagar a luz, por exemplo.

“Ninguém pode trocar a empresa que fornece energia e a água da sua casa, nem deve substituir o gás por querosene ou álcool, pelo risco de queimaduras e até mortes. Com a alta desses produtos e dos alimentos, que pararam de subir, mas num patamar ainda elevado, o poder de compra dos pobres cai. Já as classes altas, pelo rendimento que possuem, não sentem tanto esses reajustes”, diz Adriana.

“Quem ganha um salário mínimo (R$ 1.212) compromete 10% ou mais de sua renda num botijão de gás; quem ganha R$ 12 mil, dez vezes mais do que o mínimo, compromete apenas 1% do seu orçamento”, explica a técnica.

De acordo com o IPEA, os produtos que mais pesaram no bolso da classe mais alta foram a gasolina (42,7%) e do etanol (55%).

Mesmo os sem-casa e sem-carro sofrem com alta dos preços

Apesar de não precisar gastar com combustíveis, gás de cozinha e tarifa de energia por viver numa casa oferecida por uma Organização não Governamental (ONG), no bairro da Santa Cruz, zona sul de São Paulo, a vida de Mariayde Veloso, de 38 anos, separada, mãe de dois filhos, de 18 e 15 anos, só piorou no último ano.

Mary, como é conhecida, tinha casa e cursava pedagogia, que acabou por não terminar. Sem emprego, perdeu tudo e foi acolhida pela ONG que oferece hospedagem coletiva, mas os itens de higiene e alimentação são por conta dela, que atualmente sobrevive com algumas faxinas esporádicas.

A sua maior preocupação é com o filho mais novo que tem sérios problemas de obesidade e fazia tratamento gratuito com um renomado hospital privado, a partir de um convênio com o SUS. Sem o tratamento ele engordou novamente, apesar da dieta rigorosa que faz.

Mary teve que mudar alguns itens da alimentação do filho por causa do preço. Cortou o suplemento da manhã, não pode mais comprar pera e uvas e a geleia sem açúcar. O seu orçamento também não cobre o salmão e o atum grelhado, nem mesmo o ovo cozido que a criança precisa, por terem gorduras não saturadas, pois tudo o que ele come vai para a corrente sanguínea muito rapidamente.

“Eu como só o arroz com feijão e alguma mistura que a ONG oferece, mas gasto, no mínimo R$ 700 com a alimentação do meu filho. Para piorar o meu mais velho está com problemas de autoestima e eu ando deprimida, necessitando de remédios”, conta.

Até mesmo o antigo Bolsa Família ela perdeu em outubro passado, na mudança para o Auxílio Brasil, e tem de esperar até o próximo mês de março para ver se consegue retomar o benefício.

“Nós tínhamos casa, o nosso cantinho, e com tudo tão caro, sem emprego, só me resta ir à luta, manter a esperança e rezar por dias melhores”, diz Mary.

Dicas são para usar ou comprar menos ou deixar de usar ou comprar

A situação das famílias mais pobres se agravou tanto que até mesmo veículos de imprensa conservadores têm buscado dar informações sobre como economizar. Na edição da última segunda-feira (14), o colunista Claudio Considera ex-diretor do Ipea, usou seu espaço no jornal O Estado de S. Paulo para dar dicas de como economizar, entre elas, como disse Adriana, usar menos energia, deixando o carro em casa e até tomando menos café, que acumula alta de 56,87% nos últimos 12 meses. 

Confira as dicas do economista:                           

Economize ao máximo no gasto de energia elétrica (por exemplo, tomando banho frio nestes meses mais quentes do ano);

Caminhe, pedale sua bike ou use transporte público;

Planeje suas compras de supermercado. Não compre itens que não estejam programados; Opte por frutas e legumes da estação.

Modere o consumo de café (fará bem ao bolso e à saúde), bem como o de óleo de soja;

Não abra o forno durante o preparo do alimento, e use mais a panela de pressão para economizar gás de cozinha;

Cuidado com os pequenos gastos! Normalmente, não ligamos para pequenas despesas, que, somadas, podem afundar nosso orçamento.

 

 

Confederações filiadas à Central exigem revogação da medida que reduz tempo de isolamento em casos confirmados e suspeitos de Covid. Portaria vai contra proteção à vida, diz secretaria de Saúde da CUT

Publicado: 17 Fevereiro, 2022 – Escrito por: André Accaini | Editado por: Marize Muniz

OMS/ARTE:CUT

A CUT e confederações afiliadas entraram com uma liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) para que a Corte anule a Portaria n° 14, de 2020, publicada pelo Ministério da Saúde no dia 25 de janeiro. A portaria reduziu o tempo de isolamento de 14 para 10 dias em casos de confirmação ou suspeita de infecção pela Covid-19 e para os que tiveram contato com pessoas diagnosticadas com a doença.

A portaria ainda flexibilizou esse prazo de acordo com os sintomas apresentados pelos pacientes. O período de isolamento pode ser reduzido para sete dias, caso o trabalhador confirmado ou suspeito não apresente febre por 24 horas ou sintomas respiratórios, sem nenhuma previsão de realização de novos exames.

O objetivo da liminar é proteger a vida dos trabalhadores e trabalhadoras, pois a pandemia não acabou e milhares de pessoas estão se infectando e morrendo todos os dias, justificam os autores da ação. Ontem, o país voltou a registrar mil mortes em 24 horas.

“Sem nenhum embasamento científico, essa portaria veio para colocar em risco a vida dos trabalhadores”, afirma a secretária de Saúde do Trabalhador da CUT, Madalena Margarida Silva.

“Além de dizer respeito ao período de isolamento, também altera um ponto da portaria anterior, de 2020, que tratava dos protocolos de segurança dentro das empresas, como distanciamento, higienização, fornecimento de máscaras”, completou a secretária.

Os protocolos e recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) continuam tendo como regra o isolamento mínimo de 14 dias, para conter o avanço das contaminações, em especial, nessa nova onda causada pela variante ômicron, que tem potencial de transmissibilidade maior que as variantes anteriores, ressalta Madalena.

Uma das alegações dadas pelo Ministério da Saúde para editar a portaria se refere ao período em que infectados transmitem o vírus para outras pessoas. Novamente, sem embasamento científico o Ministério considerou que após o sexto dia não há mais risco de transmissão.

“Isso é falso e perigoso. Vários estúdios, inclusive certificados pela OMS, provam o contrário. Um deles, recentemente feio pelo Instituto Nacional de Doenças Infecciosas do Japão constatou que o pico da carga viral ocorre entre o terceiro e o sexto dia. A partir do sétimo diminui a carga, mas isso não quer dizer que o paciente não transmita”, critica a secretária de Saúde do Trabalhador da CUT.

E, nestas situações, ela prossegue, o trabalhador sai do isolamento e passa a usar o transporte público, lida com familiares e colegas de trabalho e o vírus continua se proliferando.

A ação

Além da CUT, subscrevem a ação a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria da Alimentação (Contac), a Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT (CNM), a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Sistema Financeiro (Contraf-CUT), a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços (Contracs) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores Públicos Municipal (Conatram).

“As entidades embasaram seus pedidos na violação aos preceitos fundamentais relativos ao direito social à saúde e ao direito fundamental à vida das trabalhadoras e dos trabalhadores e suas famílias”, diz o advogado Antônio Megale, sócio do LSB Advogados e assessor jurídico da CUT, para explicar o risco a que estão expostos trabalhadores e trabalhadoras.

“A portaria padece de qualquer motivação, que é critério exigido pela Lei nº 9.784/99, quando atos administrativos negarem, limitarem ou afetarem direitos ou interesses”, diz ele, se referindo aos direitos dos trabalhadores, de proteção contra os efeitos da Covid-19, que são atacados pela portaria.

Para Madalena, o motivo maior de o governo ter baixado a portaria é atender aos interesses dos empresários em manterem a produtividade, o lucro, acima de qualquer coisa, “inclusive acima do direito à vida dos trabalhadores”.

Para Antônio Megale, a expectativa sobre a ação é de que o STF atenda aos pedidos das entidades e suspenda os efeitos da portaria, inclusive tendo como norte sua própria jurisprudência, ou seja, decisões anteriores.

“O Tribunal, em novembro de 2020, ao julgar a ADI [Ação Direta de Inconstitucionalidade] nº 6.421, decidiu que decisões administrativas e atos de agentes públicos relacionados à proteção à vida, à saúde e ao meio ambiente devem observar normas e critérios científicos e técnicos, tal como estabelecidos por organizações e entidades internacional e nacionalmente reconhecidas”, explica o advogado, que aponta de foram enfática: “Claramente, a Portaria nº 14 não segue tais critérios”.

Ambiente de trabalho seguro e ação sindical

A secretária de Saúde da CUT reforça que um ambiente seguro é necessário para evitar o contágio e, por isso, manter protocolos como o isolamento de 14 dias, o distanciamento entre uma pessoa e outra, a higienização do local e o fornecimento gratuito de mascaras é via de regra.

“As empresas têm que testar seus trabalhadores também. Se deu positivo, 14 dias de isolamento. Se for pra retornar, não pode ter sintomas e tem que ter teste negativo. Não pode simplesmente jogar os trabalhadores aos risco de pegar e transmitir Covid no local e no caminho para o trabalho. É orientação da OMS”, diz Madalena.

Para ela, a ação contra a portaria é necessária pra manter a segurança, mas é papel dos sindicatos estarem atentos para garantir a emissão dos Comunicados de Afastamento do Trabalho, conhecidos como CAT´s.

“Sindicatos têm que agir para que as empresas emitam os CAT´s nos casos de positivados. Isso serve para estabelecer o nexo causal e classificar a Covid como doença do trabalho”, ela explica.

Caso a empresa não se preste a esse papel, ela diz, “é possível ser emitido pelo sindicato de cada categoria ou pelo próprio trabalhador, no site do INSS”.

Ela cita ainda a importância do CAT para as sequelas que ficam após a Covid como problemas respiratórios, musculares e até problemas psíquicos como ‘esquecimento’ e depressão.

 

 

A escritora Márcia Camargos fala sobre o legado, a importância e as contradições do evento modernista

Nara Lacerda e Afonso Bezerra/Brasil de Fato | São Paulo (SP) | 17 de Fevereiro de 2022

Tropical, obra de Anita Malfatti: modernismo brasileiro buscou retratar uma identidade genuinamente brasileira – Reprodução

É possível dizer que o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922 vem levantando debates e críticas que, de certa forma, rememoram alguns dos questionamentos que o evento recebeu quando foi realizado, mas acrescentam novos e importantes pontos à discussão.

Idealizado por artistas que se tornaram símbolo do modernismo brasileiro, o acontecimento ambicionava romper com a linguagem tradicional da época e retratar uma identidade genuinamente brasileira. Mas, já na época, foi muito questionado.

Da parte dos conservadores, vinham críticas à estética modernista, sendo a Semana classificada por eles como “um escândalo” e “um fracasso”. Além disso, mesmo contradições que parecem estar em pauta apenas atualmente já eram apontadas.

Quatro anos após o evento, o jornal Getulino, que defendia os direitos da população preta, publicou um artigo criticando as relações entre o modernismo e a elite cafeeira. O texto cita a Semana de Arte Moderna, que foi patrocinada por barões do café.

Em 1942, o próprio Mário de Andrade afirmou que o movimento do qual participou falhou em captar a realidade e não buscou “revolta” contra a situação da época. Nesse mesmo sentido, a falta de diversidade e de representação popular do encontro de artistas também foi apontada décadas depois, levantando análises até hoje.

O aniversário de 100 anos do evento vem acrescentando outras pautas à análise crítica do movimento. Em entrevista ao programa Central do Brasil, parceria do Brasil de Fato com a TVT, a escritora e pesquisadora Márcia Camargos fala sobre esses acréscimos ao debate sobre a Semana de Arte Moderna.

Autora do livro Semana de 22 – Entre Vaias e Aplausos, ela é taxativa ao afirmar, no entanto, que os questionamentos não diminuem a importância e o legado da Semana para a arte e a cultura brasileiras. “A Semana de 22 teve uma importância muito grande, e a prova disso é que nós estamos aqui debatendo, passados 100 anos”, destaca.

Leia a íntegra da entrevista a seguir.

Brasil de Fato: 100 anos depois, estamos debatendo e relembrando as cenas da Semana de Arte de 22, mas ao que parece ela não foi tão recebida na época, Como foram essas reações?

Márcia Camargos: Para quem [ainda] está celebrando 100 anos depois, realmente fica difícil entender que, na época, ela era vista como uma coisa de grã-fino. Foram poucos os jornais que noticiaram seguidamente. Isso mudou a partir do segundo sarau, quando Oswald de Andrade teria arregimentado os estudantes de Direito do Largo São Francisco para vaiar e dar o tom do contra, porque estava achando aquilo tudo muito monótono. A partir da segunda noite, os jornais que estavam reticentes a falar sobre o evento foram obrigados a falar sobre o assunto, nem que fosse para criticar.

O mais interessante é que, apesar de os modernistas — que na época não eram conhecidos como tal, eles eram os “futuristas” — estarem buscando essa questão da identidade nacional, das raízes brasileiras e renegarem tudo o que vinha de fora, foram as revistas das comunidades alemã e italiana que fizeram as matérias mais equilibradas e ponderadas sobre a Semana de 22.

O que a Semana produziu de tão relevante? O que trouxe de novo para as artes e a cultura brasileira?

A Semana em si foi o primeiro grito público, o primeiro ato público do que viria depois a ser definido como modernismo. Ela foi o estopim desse movimento que surgiu depois, ao longo da década de 1920, através das várias revistas que surgiram, como a Klaxom, Terra Rocha e Outras Terras e todos aqueles manifestos, como Pau Brasil, da Antropofagia e mesmo o Verde e Amarelo, um movimento que era ligado aos participantes que deram uma guinada para a direita, ao contrário de outros que foram para a esquerda. Oswald de Andrade, a Tarsila do Amaral, já em 1928, abraçaram a causa dos trabalhadores e toda a questão dos movimentos operários.

O que precisa ficar bem claro é que a Semana de 22 é uma coisa, e o modernismo é outra, ele é o desdobramento deste  evento que aconteceu no Teatro Municipal. Evidentemente, a Semana não teria fincado raízes, e nós não estaríamos aqui, conversando sobre ela após um século, se ela não tivesse deixado sementes, se ela não tivesse uma essência muito forte e não tivesse colaborado para uma mudança radical nos rumos das artes e da produção cultural brasileiras, tanto em termos de literatutra, quanto de artes plásticas e música.

Quais foram essas sementes da Semana?

Mais do que a Semana, o modernismo contribuiu para romper com uma série de paradigmas. Um deles foi essa diferença entre nacional e estrangeiro. Eles conseguiram, através da antropofagia, mostrar e chegar à conclusão de que nós poderíamos produzir uma arte brasileira, sem deixar de fora aquelas contribuições dos europeus, por exemplo. Mesmo porque a gente precisa lembrar que, durante o ano da realização da Semana de 22, um terço da população economicamente ativa da cidade de São Paulo era formada por imigrantes.

Uma outra coisa que a Semana de 22 tinha ignorado, a produção popular, o repertório negro, foi sendo depois incorporada às produções dos próprios modernistas. Nas viagem da Tarsila do Amaral ao interior de Minas gerais, ela chegou à conclusão de que aquelas cores vibrantes dos casarios não eram pejorativamente caipiras, eram cores tropicais que deveriam ser valorizadas. Então, tudo isso que esteve ausente na Semana de 22, como essa diversidade, esse olhar popular, isso tudo foi incorporado ao longo da década de 20.

Por que São Paulo foi o palco do evento?

No livro Entre Vaias e Aplausos, que eu escrevi quando a Semana completava 80 anos, eu já abordava alguns problemas da Semana de 22 que agora vieram à tona. Por exemplo, ter sido um evento excludente e elitista. Eu  também falava que a Semana ocorreu em são Paulo, e não no Rio de Janeiro, que era a capital federal e reunia a maior parte dos artistas e produtores culturais, por causa da imigração.

São Paulo recebeu essa injeção de estrangeiros quase do dia para a noite. Dentro, inclusive, daquele propósito de embraquecimento da população. De uma hora para outra, a cidade recebeu toda essa massa de imigrantes, sobretudo italianos. Nas ruas se falava uma mistura de paulista com italiano. Essa injeção cosmopolita fez com que a Semana de 22 acontecesse em São Paulo, e não no Rio de Janeiro.

Teve uma outra questão muito importante, que foi o desejo das elites de colocar São Paulo no mapa cultural do Brasil. Porque, até então, as companhias líricas faziam roteiros em Buenos Aires, Rio de Janeiro, talvez até Fortaleza e alguma outra capital do Nordeste e ignoravam solenemente São Paulo.

Então, aquilo era um ofensa para a elite dirigente, para a elite cafeeira, que não se conformava que São Paulo, que já era o principal polo econômico do Brasil e tinha essa vocação da locomotiva do país, fosse ignorada pelas companhias. Então, eles, ao longo da década de 1910, dotaram a capital de equipamentos culturais, para que ela cumprisse sua vocação de metrópole. Um exemplo é a inauguração do Teatro Municipal. Houve realmente esse esforço dessa burguesia endinheirada de bancar esse evento para colocar São Paulo no mapa cultural do Brasil.

Recentemente, o escritor Rui Castro publicou um texto no jornal Folha de S.Paulo que busca, de certa forma, desmistificar a memória sobre a Semana, dizendo que ela não era tão revolucionária como parece e que seus personagens estavam mais alinhados à política conservadora do café com leite, da primeira república ou república velha. Como a senhora avalia esse ponto?

A história é dinâmica, precisa sempre ser vista e revisitada, mas o que o Rui Castro se arvora a dizer como se fosse a grande novidade é coisa velha. É coisa que não apenas eu falava há vinte anos. Araci Amaral e outras e outros historiadores e estudiosos do assunto já vinham, dizendo que a Semana de 22 foi elitista, excludente.

Muito dessa mitificação em torno da Semana foi feita por grupos ligados à Universidade de São Paulo (USP), que o Rui Costa chama, inclusive, de “a indústria da USP”. Intelectuais de muito peso, que transformaram a Semana em um divisor de águas da cultura brasileira, e nunca foi isso. Nós estamos batendo nessa tecla há anos e anos.

Agora no centenário, a gente acrescenta outras questões. Por exemplo, a diversidade de gênero. A gente precisa lembrar que a Semana não conseguiu superar as fronteiras da sociedade patriarcal do período. No palco, para 14 homens havia apenas duas mulheres, Guiomar Novaes e Yvonne Daumerie, que é uma bailarina sobre quem muito pouco se conhece.

Na exposição de artes aberta no saguão, havia dez homens e apenas Anitta Malfati e Zina Aita. Para cerca de trinta participantes, havia apenas quatro mulheres, o que faz mais ou menos 10% de participação feminina, algo que hoje seria muito criticado.

Mas, a favor da Semana de 22, a gente tem que acrescentar que ela foi um evento que aconteceu no improviso e por acaso. Não houve um planejamento de anos. Para termos uma noção concreta, tudo começou em novembro de 1921 para um evento que aconteceu em fevereiro de 1922. Nem três meses se passaram. Um evento dessa envergadura, hoje em dia, o projeto começaria um ou dois anos antes.

Então, ela foi feita de uma forma espontânea, improvisada. Por isso também houve essas ausências do repertório negro, da produção cultural popular. O violão, por exemplo, que [Heitor] Villa-Lobos já tocava tão bem, ficou de fora. Enfim, a gente pode citar várias falhas da Semana de 22, o que não lhe tira a importância, o impacto, nem a vocação revolucionaria.

Quem são os personagens da Semana de 22 que permanecem na memória sobre o evento?

Os principais personagens seriam Oswald e Mário de Andrade, pela obra poética. Anita Malfatti ficou um pouco esquecida e poderia ter sido uma das grande herdeiras do modernismo. Mas, ao contrário da Tarsila [do Amaral] — que seguiu Oswald de Andrade nos movimentos Pau Brasil, da Antropofagia e mesmo essa virada a esquerda, com aquele quadro dos operários —, Anita recuou. Ela efetuou um retorno à ordem e abandonou aquelas pinceladas vigorosas que tinham encantando seus amigos artistas.

Também Di Cavalcanti desenvolveu uma carreira importante. Vicente do Rego Monteiro, que alguns estudiosos dizem que foi um dos nomes mais criativos, revolucionários e inovadores da exposição, embora depois tenha dado uma guinada à direita, inclusive simpatizando com o próprio nazismo.

Sem esquecer também o [Victor] Brecheret, que estava ausente da Semana, mas mandou 12 peças para serem expostas. A Tarsila do Amaral não expôs na Semana de 22. Ela estava em Paris na época, preocupada em enviar uma obra para o Salão Oficial de Artistas Franceses, de um caráter bastante conservador. Mas ela se tornaria uma das musas do modernismo, justamente porque, ao lado de Oswald de Andrade, que se tornaria seu marido, fez uma carreira brilhante e inovadora, deixando uma produção belíssima.

100 anos depois de realizada, que legado a Semana deixa para a construção da identidade brasileira e para a cultura popular?

A Semana de 22 teve uma importância muito grande, e a prova disso é que nós estamos aqui debatendo, passados 100 anos. As grandes contribuições seriam essa ruptura, essa questão do popular e do erudito, que você pode unir em uma coisa só. Também a antropofagia, que Antônio Cândido diz que é uma das criações mais brilhantes da dialética modernista. Aquilo de você deglutir o que vem de fora para produzir uma arte autenticamente brasileira.

Nessa busca da identidade nacional, você não precisa renegar a contribuição do estrangeiro, o que hoje em dia seria impossível. A questão do centro e da periferia. Porque não só a arte é feita por uma elite, mas também há essa grande contribuição dos movimentos que não pertencem à elite, mas têm dado sua contribuição.

Movimentos que estiveram ausentes da Semana de 22, mas foram incorporados ao longo da década de 20. Hoje, nós temos essa grande contribuição dos movimentos da periferia, das favelas, do movimento negro, LGBT, que hoje estão ocupando o centro do palco. Isso eu acho que começou muito lá atrás, com a Semana de 22.

Edição: Rodrigo Durão Coelho