A obra é considerada um divisor de águas ao trazer, além de críticas ao capitalismo, a transformação da sociedade

Manifesto Comunista: livro é considerado um “divisor de águas” entre os “livros vermelhos” – Reprodução/The Red Books Day

O que os trabalhadores brasileiros de hoje têm em comum com os operários da Inglaterra de 1848? Ambos têm as condições de trabalho marcadas pelas bases de exploração do sistema capitalista.

Naquela época, o diagnóstico acima foi publicado no dia 21 de fevereiro daquele ano, por Karl Marx e Friedrich Engels, no Manifesto Comunista, encomendado pela Liga dos Justos, que mais tarde veio a se chamar Liga dos Comunistas. Mais de 150 anos depois, o diagnóstico segue conversando com a realidade dos trabalhadores de hoje.

Nas palavras de Miguel Yoshida, doutor em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa e editor-assistente da Editora Expressão Popular, um dos diferenciais da obra é a “análise da sociedade que está surgindo, cujas bases são as mesmas que a gente vive hoje: a exploração do ser humano pelo ser humano, como alguns vão se enriquecer às custas de trabalho de outros”.

O livro é considerado um “divisor de águas” entre os “livros vermelhos” – ou seja, as obras que abordam temas relacionados às estruturas de opressão das sociedades – ao trazer não só análises do surgimento do capitalismo e da burguesia, mas inclusive propostas para a transformação desta sociedade em direção ao comunismo, a partir da luta operária necessariamente a nível internacional: “Trabalhadores do mundo, uni-vos, vós não tendes nada a perder a não ser vossos grilhões”, escreveram Marx e Engels. É um “divisor de águas na maneira de os trabalhadores terem uma leitura própria do mundo”, afirma Yoshida.

Livros vermelhos 

Desde então, com base no acúmulo das experiências das lutas operárias e dos debates acerca do tema, diversos livros foram publicados, com atualizações de acordo com a época e a realidade de cada local.

No Brasil, por exemplo, evidencia-se o trabalho do sociólogo Florestan Fernandes, no livro A Revolução Burguesa no Brasil, onde o autor se utiliza das bases e dos conceitos concebidos pelos comunistas da Inglaterra para escrever sobre a burguesia brasileira. Outro trabalho proeminente é Gênero, Patriarcado, Violência, da socióloga brasileira Heleieth Saffioti, que atualiza o trabalho de Marx e Engels a partir da realidade das mulheres brasileiras.

A partir deste contexto, desde 21 de fevereiro de 2020, editoras de esquerda – hoje reunidas na Associação Internacional de Editoras de Esquerda, com mais de 40 grupos de países de 25 línguas – aliadas a movimentos do mesmo espectro político comemoram o Dia dos Livros Vermelhos.

No Brasil, a Editora Expressão Popular, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Instituto Tricontinental de Pesquisa Social impulsionam a iniciativa. A jornada tem como objetivo estimular a leitura e o estudo de livros que tratam sobre os temas levantados a partir do Manifesto Comunista.

Para Olívia Carolino, economista do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, “a importância de comemorar esse livro é manter vivo esse legado e a tradição de um movimento internacionalista de luta contra o capital. O que a gente propõe é uma semana de estudo em torno desse 21 de fevereiro para a gente ler, estudar e reservar espaços nas nossas agendas de luta para refletir sobre o significado e a atualidade do Manifesto Comunista na nossa realidade”.

Yoshida cita outros exemplos de obras abordadas no âmbito do Dia do Livro Vermelho. Um deles é O Estado e a revolução, de Vladimir Lênin, escrito às vésperas da Revolução de 1917. Nele, Lênin defende que não bastava se apoderar do Estado burguês, mas destruí-lo.

“A emancipação da classe oprimida é impossível não só sem uma revolução violenta, mas também sem a destruição do aparelho do poder de Estado que foi criado pela classe dominante e no qual está encarnada esta alienação”, escreveu o revolucionário. “Ele está falando sobre a necessidade de construir uma nova sociedade e que, para isso, é importante derrubar o Estado. Então ele também está propondo algo novo”, afirma Yoshida.

Segundo Yoshida, uma das bases do Manifesto Comunista é o destaque “para o fato de que a sociedade capitalista é uma construção histórica das classes em luta e que, portanto, não é uma forma organização social eterna. Ela pode ser destruída pelas classes que se opõem a ela de forma organizada, contra aquela ideia de que a sociedade que a gente está vivendo hoje é algo eterno. A sociedade passou por um processo de transformações e segue em constante transformação, pela ação dos seres humanos”, afirma o editor da Expressão Popular.

Manifesto Comunista hoje 

Alguns pontos que atualmente são considerados lacunas no Manifesto Comunista entram agora no radar das atualizações presentes nos livros vermelhos. “Hoje ser comunista é partilhar de um projeto de sociedade emancipador que coloca em primeiro plano as necessidades humanas, e cada vez mais os comunistas também estão se apropriando das necessidades de preservação do planeta”, afirma Olívia Carolino.

“No momento em que a gente tem uma crise profunda e estrutural da sociedade burguesa, que combina crises econômica, política, social, ambiental e de valores, trata-se da crise da civilização burguesa.”

Um exemplo disso é como a crise sanitária também tem a ver com as condições determinadas a cada classe social. A pandemia não foi nem é a mesma para todos: negros – pretos e pardos, de acordo com a denominação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – morrem mais do que brancos em decorrência da covid-19 no Brasil, de acordo com um estudo realizado pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde, grupo da PUC-Rio, de abril de 2021. Ficou demonstrado que, enquanto 55% de negros morreram por covid, a proporção entre brancos foi de 38%.

Outro exemplo é a relação entre a crise ambiental e as classes econômicas. As recentes enchentes deixaram explícito que os que mais sofrem com as mudanças climáticas são as populações mais pobres, que vivem em áreas mais viáveis financeiramente, mas de risco e sem infraestrutura. Nas últimas enchentes de São Paulo, por exemplo, as populações mais afetadas são aquelas que vivem em regiões de encosta, como Franco da Rocha, em janeiro deste ano.

“Neste momento em que as contradições estão tão evidentes, os comunistas representam essa é possibilidade de um projeto sociedade emancipadora. A classe proletária é a única capaz de realizar a igualdade, a liberdade e a fraternidade, que são aquelas promessas que a burguesia colocou para a modernidade. A burguesia só pode realizar a liberdade e a igualdade para os indivíduos proprietários”, afirma Olívia Carolino.

Edição: Vivian Virissimo

 

PL que trata do tema foi aprovado por unanimidade no Senado em novembro, mas encontra barreiras na Câmara dos Deputados

Cristiane Sampaio | Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Enfermeiros batalham por piso nacional no Congresso pelo menos desde 2005, quando primeiro PL sobre o tema começou a tramitar – Leopoldo Silva/Agência Senado.

Enfermeiros de todo o país irão a Brasília no próximo dia 8 de março para protestar contra a demora na aprovação do piso nacional da categoria. No final de novembro, a proposta foi aprovada por unanimidade no Senado.

O texto, no entanto, encontra maiores obstáculos na Câmara dos Deputados, onde a resistência de empresários da saúde e do governo Bolsonaro fez com que a medida fosse retirada de pauta no fim do ano para ser analisada por um grupo de trabalho (GT).

O colegiado prevê para a próxima terça-feira (22) a apresentação do parecer do relator, o deputado Alexandre Padilha (PT-SP), e projeta a votação do texto para sexta (25). Enquanto isso, a categoria pressiona por celeridade na avaliação da proposta e decidiu bradar na porta da Câmara.

Segundo a presidenta da Federação Nacional dos Enfermeiros (FNE), Shirley Morales, caravanas de diversas partes do país irão pressionar para que o projeto seja aprovado com maior celeridade.

“A mobilização, que o pessoal chama de ‘esquenta’, neste momento, vai ser mais para chamar a atenção tanto da mídia como da sociedade para as pautas da enfermagem, para as condições de trabalho que estamos vivendo, para inclusive já preparar para a possibilidade de um movimento de paralisação geral”, afirma a dirigente, sinalizando que a cobrança da categoria pode subir de temperatura.

A proposta que hoje está sob análise na Casa é o Projeto de Lei (PL) 2564/2020, de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES). O texto fixa um salário-base de R$ 4.750 para jornada de 30 horas semanas para os enfermeiros. No caso dos técnicos, a quantia seria 70% (R$ 3.325) desse valor e, para os auxiliares de enfermagem e parteiras, a matéria prevê 50% (R$ 2.375).

Cálculos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) apontam que 85% dos técnicos, por exemplo, ganham menos que o piso fixado pelo PL. As categorias se queixam de falta de valorização pelo mercado de trabalho e destacam que, muitas vezes, a política salarial adotada pelos empregadores não chega à metade do que está sendo proposto no projeto.

No Ceará, por exemplo, o salário-base aplicado na enfermagem em 2022 é de R$ 2.668,51 para 44 horas semanais em unidades particulares de saúde, enquanto, em instituições filantrópicas, ele cai para R$ 2.125,95, considerando 36 horas de jornada semanais.

“São trabalhadores altamente sacrificados porque têm salários irrisórios, altas cargas horárias de trabalho”, registra a vice-presidenta do Sindicato dos Enfermeiros do Estado do Ceará (Senece), Telma Cordeiro.

Rotina extenuante na pandemia

Ela lembra que os profissionais da área foram ainda mais exigidos na pandemia de covid-19, quando a crise sanitária jogou as unidades de saúde em uma rotina extenuante de atendimento e lotação de pacientes: “Fomos chamados de herói, mas ninguém tem pena dos heróis”.

Como resultado da conjuntura, o cenário político viu crescer a luta da categoria em torno da criação do piso nacional. O debate sobre o tema teve início no Congresso Nacional ainda nos anos 2000, com outras propostas de lei que não obtiveram êxito até aqui.

Agora, embalados pelo contexto de piora das condições de vida e trabalho no país, os profissionais do setor organizam atos políticos que deverão chamar a atenção em alguns pontos do país no Dia Internacional da Mulher (8 de março). Além do ato nacional na capital federal, haverá paralisações ou movimentos locais de agitação pela reivindicação do piso. Acre e Ceará, por exemplo, têm paralisação confirmada.

“Essa data foi escolhida porque a maior parte dos profissionais da área é do sexo feminino, então, nossas ações serão nessa data”, explica a presidenta da FNE.

Em Fortaleza (CE), por exemplo, representantes da categoria farão uma caminhada pela avenida Beira-Mar, cartão-postal da cidade. “A gente vai tentar fazer com que isso seja colocado em votação. Está sendo difícil porque o presidente da Câmara dos Deputados é totalmente a favor dos empresários”, afirma a vice-presidenta do Senece.

Projeção equivocada 

No Legislativo, o conflito que cerca a pauta foi instaurado a partir da insatisfação do governo Bolsonaro, governos locais e de empresários da saúde. Em audiência ocorrida na Câmara em dezembro, por exemplo, o Ministério da Saúde (MS) alegou que o PL geraria impacto de R$ 22,5 bilhões ao ano já desde o ano passado, se tivesse sido chancelado pelo Congresso.

Pelas projeções da gestão, o montante chegaria a R$ 24,9 bilhões até 2024. Segundo a equipe do governo, o valor seria subtraído dos cofres do Sistema Único de Saúde (SUS) por conta dos atendimentos feitos em instituições privadas sem fins lucrativos que atuam em parceria com a rede pública.

A manifestação gerou uma série de faíscas. Entidades que representam a categoria argumentaram que a mensuração do impacto deve se dar a partir do número de profissionais que estão no mercado de trabalho, e não a partir da quantidade de registros, como vinha considerando o governo.

Eles apontam que cada trabalhador pode ter até três registros ativos ao mesmo tempo, levando em conta as atividades de enfermeiro, técnico e auxiliar, mas o contigente total de profissionais desses três grupos seria de 1.147 milhão de pessoas, e não 2,5 milhões, como avaliava a gestão Bolsonaro.

Mais recentemente, o Executivo reviu as projeções e sinalizou que a repercussão orçamentária seria de R$ 8 bilhões no mercado privado e R$ 15 bilhões na esfera pública. Esta última previsão contemplaria os gastos para municípios, estados e governo federal.

Grupo de trabalho

As disputas geradas pela manifestação do ministério e de outros setores foram as responsáveis pela criação do grupo de trabalho (GT) que hoje debate o tema na Câmara. A rigor, o objetivo do grupo é levantar e consolidar informações seguras a respeito do número de profissionais que seriam beneficiados pelo PL e averiguar o impacto financeiro.

“É uma matéria que, como vem se arrastando há muitos anos, mas não se conseguiu deliberar [antes], agora a gente precisa ter uma luz e buscar os encaminhamentos adequados pra isso”, diz a coordenadora do grupo, a deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC), que é enfermeira de formação e defensora do PL.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o relator do projeto, o deputado Alexandre Padilha (PT-SP), afirma que entregará o parecer dentro do prazo, dia 22 de fevereiro, e que tem considerado os cálculos de diferentes entidades e instituições de perfil técnico.

“Vamos fechar um número sobre qual o impacto desse piso, que é tão importante pros profissionais de enfermagem e para a saúde como um todo, porque a enfermagem é feita de pessoas. O fato de os profissionais não terem um piso adequado faz com que tenham carga horária excessiva, e isso prejudica não só a saúde deles, mas a de quem é cuidado por eles”.

O GT ouviu, até agora, representantes de diferentes segmentos, como Santas Casas e hospitais filantrópicos, Dieese, Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e Conselho Federal de Enfermagem, entre outros.

Edição: Rodrigo Durão Coelho

 

 

Live será transmitida pelas redes sociais da CUT e entidades, e pela TVT, a partir das 17h. Comitês serão instrumento de mobilização da classe trabalhadora para mudar os rumos do país

Publicado: 21 Fevereiro, 2022 – 15h32 | Última modificação: 21 Fevereiro, 2022 – 18h18 | Escrito por: Redação CUT/Texto: André Accarini | Editado por: Marize Muniz