16/3/2022 – Porta Geledes
Com o objetivo de dialogar com estudantes e profissionais da educação básica sobre as pedagogias das culturas juvenis urbanas, Geledés Instituto da Mulher Negra, apoiada pelo Itaú Educação e Trabalho, deu início ao projeto Pedagogias da Geração Hip-hop e Culturas Juvenis nas Escolas, que tem como objetivo reconhecer, valorizar e sistematizar os “modos de fazer, pensar e agir” elaboradas pela geração Hip-hop e pelas novas culturas juvenis no ambiente educacional, as quais podem contribuir para diminuir as desigualdades enfrentadas por crianças, adolescentes e jovens em idade escolar.
Esta iniciativa se conecta com um projeto realizado pela instituição no período de 1992 a 1998 e que teve como foco específico a juventude negra – o Projeto Rappers, que consistiu em uma parceria pioneira entre uma ONG e artistas de rap por meio da articulação da agenda de Direitos Humanos a partir da ação cultural. Os ativistas de Hip-hop pertencentes a grupos de rap da cidade de São Paulo procuraram Geledés para denunciar a violência policial das quais eram vítimas, em razão das letras de suas músicas, que destacavam as condições de marginalização social, racismo, preconceitos e violências a que estavam (e estão) expostos os jovens negros Como resultado, eram retirados dos palcos em que se apresentavam, em desrespeito ao direito de liberdade de expressão. O Projeto Rappers ofereceu formação sobre as agendas de raça e gênero para ativistas do movimento hip-hop, orientação jurídica para a garantia do direito de ocupação de espaços públicos e estratégias para atuação e incidência nos espaços de tomada de decisão. Além disso, possibilitou a realização de importantes eventos culturais e a elaboração da primeira revista de Hip-hop do país, a “Pode Crê“, que trazia informações sobre a cena cultural e temas de interesse da juventude negra, pobre e periférica.
Aliar a educação, o combate à violência e o racismo sempre foi central na atuação de praticantes da cultura Hip-hop. Consideramos que a geração Hip-hop tem muito a ensinar e contribuir, principalmente para reduzir os índices de desigualdades na educação e propor metodologias que contemplem e agreguem adolescentes e jovens em suas diversidades e diferenças. Da mesma forma, esse movimento coloca em evidência a importância que as culturas juvenis têm no processo educacional.
Apresentamos abaixo alguns dados que justificam a importância desse projeto:
O Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil, realizado pelo Fórum de Segurança Pública, aponta que 80% dos jovens assassinados de 15 a 29 anos no Brasil entre 2016 e 2020 são negros;
No Ensino Fundamental, embora as taxas de matrícula sejam equivalentes para negros (97,7%) e brancos (98,3%), no 5 º ano apenas 51% dos negros apresentam proficiência em língua portuguesa, enquanto para os brancos este indicador é de 70% (“Anuário Brasileiro da Educação Básica”, 2019);
No Ensino Médio as disparidades de frequência escolar voltam a aparecer: a) em 2018 apenas 64,3% dos adolescentes de 15 a 17 anos estavam matriculados no Ensino Médio, enquanto 75,4% dos brancos do mesmo grupo de idade frequentavam este nível de ensino; b) apenas 55% dos jovens negros de até 19 anos haviam concluído o Ensino Médio, enquanto 73,7% dos brancos na mesma faixa etária tinham finalizado este nível de ensino (“Anuário Brasileiro da Educação Básica”, 2019).
As diferentes gerações do Hip-hop, provocada pelas temáticas que esse movimento traz para o debate público, estas que envolvem reflexões sobre a história, leituras críticas da realidade e construção de projetos/novas expectativas de vida, extrapolaram os limites colocados por uma sociedade excludente e hoje vêm produzindo/articulando conhecimentos que podem contribuir para as diferentes áreas de conhecimento, como história, geografia, física, química, letramento, matemática, sociologia, artes etc. Isto porque praticar os elementos da cultura Hip-hop exige cálculo, habilidade, segurança, reflexão, leitura e desenvolvimento de técnicas.
A produção do rap envolve a observação e leitura sociohistórica, tecnologia de produção e programação musical com samplings e colagens musicais, além de uma escrita que conecta cenário, análise crítica e perspectivas sobre o problema abordado; já o graffiti é, ao mesmo tempo, um domínio de traços, cores e química e a elevação de identidades marginalizadas e suas ideologias projetadas nas paredes das cidades; o breaking, por sua vez, hoje inserido nos jogos olímpicos mundiais, exige conhecimento sobre o corpo, noção de espaço, interpretação da performance do grupo ou do sujeito rival, respostas criativas e comunicação corporal. Em síntese, não seria exagero afirmar que a prática do hip-hop também é ciência e pedagogia.
Nesse sentido, visto que o Brasil já produziu diferentes gerações da cultura hip-hop e, hoje, tem grandes artistas projetados na esfera pública que influenciam e inspiram as novas gerações de adolescentes e jovens das periferias brasileiras, propomos, neste projeto, um exercício de sistematização das práticas protagonizadas pela geração Hip-hop e uma pesquisa sobre as culturas juvenis em cena no ambiente escolar que podem auxiliar as estratégias pedagógicas de profissionais da educação.
É importante também ressaltar que a cultura Hip-hop produz hoje o estilo musical mais ouvido no mundo, o rap, ocupa grandes galerias de arte com o graffiti, e a partir de 2024 estará nos Jogos Olímpicos Mundiais com a inserção do breaking como categoria esportiva. Como movimento que sofreu diferentes formas de cerceamento e perseguição política nas últimas décadas, o atual cenário demonstra o reconhecimento e dá dimensão de seu impacto social nas periferias do Brasil e do mundo.
Buscando valorizar e registrar as pedagogias da geração Hip-hop, o projeto constituirá um grupo de trabalho de ativistas do Hip-hop que atuam como educadores e, por meio de pesquisa participativa, produzirão o levantamento de materiais sobre Hip-hop e Educação; realizará a identificação e sistematização das pedagogias da cultura Hip-hop; e mapeará outras expressões culturais juvenis que estão no espaço escolar, em diálogo ou como decorrência do hip-hop, a exemplo das batalhas de rima, slam, funk, games, entre outras expressões. A pesquisa sobre hip-hop e educação contará com a parceria do Arquivo Brasileiro de Hip-hop (AEL-UNICAMP).
A iniciativa tem por objetivo contribuir com a construção de novos diálogos e parcerias que possibilitem a introdução das pedagogias do Hip-hop na formação de professores da educação básica, assim como fortalecer as culturas juvenis em espaços escolares. Ao final do projeto, apresentaremos um material de referência das ações desenvolvidas para que sejam replicadas em outras localidades, como forma de contribuir com reflexões e ações sobre a escola e o seu papel como um espaço democrático que valoriza as diferentes vozes e formas de vivenciar o mundo.
Todas as etapas do projeto e seus resultados serão apresentados em seminários formativos voltados à comunidade escolar, além de disponibilizados na área de educação do Portal Geledés.