Nomes de parlamentares que assinaram o pedido de urgência do projeto de lei 1904 foram incinerados num ritual de repúdio

Fotos: Elisângela Leite

Com muita garra e determinação, centenas de mulheres de todas as idades, classes sociais, e desejos afetivo-sexuais tomaram a Avenida Atlântica, no domingo, 23 de julho, para dizer, em tom elevado, que criança não é mãe, e estuprador e pedófilo não são pais. Sindicalistas, parlamentares, militantes de movimentos sociais e feministas, aposentadas, donas de casa, estudantes se uniram e firmaram o compromisso de só saírem das ruas após o engavetamento do hediondo Projeto de Lei 1904.

O presidente da Câmara dos Deputados foi um alvo especial da manifestação. Arthur Lira manobrou para que o PL que criminaliza o aborto por estupro igualando-o a homicídio fosse votado com urgência. A palavra de ordem “FORA LIRA” ritmou o protesto: Abrindo o cortejo, uma enorme faixa levada por várias senhoras informava: “Vovós em defesa de suas netas, bisnetas e contra o PL 1904”.

A manifestação foi encerada com uma fogueira e as manifestantes queimando os fascistas do Congresso Nacional, que apoiaram e votaram pela urgência do PL do estupro. Seus nomes foram escritos em papel A-4 e ao som da bateria das feministas eram colocados em um balde e sob gritos de “queima”, “queima”, “queima”.  Viraram cinzas.

O ato ganhou mais originalidade com participação de mulheres na perna de pau vestidas como personagens do Canto da Aia (2017), romance de Margaret Atwood, ambientada em um futuro distópico governado por uma teocracia totalitária. Após uma grave queda nas taxas globais de natalidade, as mulheres foram divididas em castas. As poucas que se mantêm férteis são obrigadas a gerar filhos para a elite, enquanto as que não conseguem engravidar devem executar trabalhos domésticos. Uma reflexão sobre o patriarcalismo em nossa sociedade.

 

“Que hipocrisia, defende o estuprador e a pedofilia”

“Com o poder que nós temos agora vamos derrubar Lira nas ruas e com punho cerrado em defesa de nossas vidas. Legaliza! O corpo é nosso! Pela vida das mulheres!” No carro de som, as manifestantes davam seu recado ao público.

A deputada Jandira Feghali fez um apelo: “O movimento nas ruas nos fortalece no Congresso Nacional, porque estamos lutando lá para que esse projeto criminoso, misógino, fundamentalista, de extrema direita seja engavetado. Não vamos aceitar nenhum retrocesso nas nossas conquistas. Queremos é avançar. Ninguém aceita que alguma mulher estuprada seja presa. Esta é uma pauta de direitos e não de costumes.”

“Arthur Lira, você é um porco fascista. Estupro é um crime hediondo. Se não bastasse a violência que as meninas são submetidas, a maioria vítima de estuprador de dentro da família e vizinhos, ainda quer que sejam presas? Vamos ganhar as ruas e a maioria da sociedade brasileira para essa luta”, disse a deputada estadual Verônica Lima (PT). Se convalescendo de um transplante de pulmão, a vereadora Janilce Magalhães (PSol) avisou: “Nós mulheres queremos avançar nos nossos direitos. Estamos cansadas de ver nossos corpos sendo pautados pelos homens”.

Machistas, misóginos..

Karen Matoso, uma das líderes das mulheres evangélicas presentes ao ato com faixas e cartazes, afirmou: “Nós não nos sentimos representadas pelas bancadas da bíblia e da bala no Congresso. Eles só podem decidir sobre seus espermas. Somos a Articulação das Mulheres Cristãs”. A representante do Movimento de Mulheres Olga Benário foi objetiva: “Queremos avançar para conquistar mais e isso inclui respeito e rumo a uma sociedade socialista”.

Grávida de sete meses, a deputada Renata Souza (PSol) falou emocionada: “Nossa luta tem a ver com a vida das nossas meninas e das mulheres que gestam. Vamos derrubar o Lira e todo o seu patriarcado. Seguiremos na luta e o patriarcado machista, misógino não passarão”.

“Nossas vidas não podem ser negociadas, não pode ser manobra eleitoreira. A única luta que avança e une todas as pessoas e as diversidades é a nossa, das mulheres pretas, brancas de todos os gêneros e classes. Não vamos sair das ruas!”, garantiu a vereadora Thais Ferreira (PSol).

“Estamos sempre na luta e além de derrubar esse PL fascista, é necessário decidir no Parlamento sobre as políticas públicas que defendam a criança, sua saúde e seus corpos. Lutar por direitos e por aqueles que lutam. Hoje é um dia muito importante”, falou a deputada Marina do MST (PT). “Este é um movimento contra o fascismo, contra o Lira. Temos que ser linha de frente pela descriminalização do aborto”, defendeu a representante da UP, Geovana Almeida. “Nossa mobilização vai durar até o arquivamento do PL 1904”, se comprometeu a secretária de Mulheres do PT, Fabiana Souza.

Ato no Posto 4 em Copacabana em defesa das mulheres e contra a PL 1904.
Rio, 23/06/24
Foto Elisângela Leite
Ato no Posto 4 em Copacabana em defesa das mulheres e contra a PL 1904.
Rio, 23/06/24
Foto Elisângela Leite
Ato no Posto 4 em Copacabana em defesa das mulheres e contra a PL 1904.
Rio, 23/06/24
Foto Elisângela Leite
Ato no Posto 4 em Copacabana em defesa das mulheres e contra a PL 1904.
Rio, 23/06/24
Foto Elisângela Leite
Ato no Posto 4 em Copacabana em defesa das mulheres e contra a PL 1904.
Rio, 23/06/24
Foto Elisângela Leite
Ato no Posto 4 em Copacabana em defesa das mulheres e contra a PL 1904.
Rio, 23/06/24
Foto Elisângela Leite
Ato no Posto 4 em Copacabana em defesa das mulheres e contra a PL 1904.
Rio, 23/06/24
Foto Elisângela Leite
Ato no Posto 4 em Copacabana em defesa das mulheres e contra a PL 1904.
Rio, 23/06/24
Foto Elisângela Leite

Inúmeras trabalhadoras da UFRJ estavam presentes na marcha das mulheres contra o PL do estupro em Copacabana. O Sintufrj convocou e algumas delas aproveitaram a infraestrutura posta à disposição como um carro e água. “É a mulher que sempre tem que defender seus direitos, a própria vida e seu corpo”, observou Norma Santiago. “Espero que essa manifestação seja o início de muitas outras lutas contra esse PL e para que as mulheres possam ter garantidos a integridade de seus corpos e respeito a seus direitos”, afirmou Selene de Souza.

“Respeitem nossos corpos!, exigiu Lenilva da Cruz. “Foi um ato muito bonito, muito representativo. A mulherada atendeu a convocatória. Estandartes, faixas, batucadas, palavras de ordem das entidades, mas também muitas criadas na hora por participantes independentes”, constatou a coordenadora de Comunicação do Sintufrj, Marli Rodrigues, que “amou a manifestação” e estava feliz por ter participado. “Esse PL é uma temeridade: a criança vítima de abuso passa a ser
algoz. Uma criança abusada não tem noção do que fizeram com o seu corpo e quando é percebido, já assou do tempo (do aborto
legal)”, alertou Marisa Araujo.

“Estamos nos fortalecendo para a luta que é pela liberação do aborto no Brasil e desmascarando os fascistas no Congresso”, avaliou Alzira Trindade. “Criança é criança. Prisão perpétua para estuprador”, propôs Geiza de Souza. “Esse PL é uma excrescência. Repugnante”, definiu Valdenise Ribeiro, a Val. “Criança não é mãe, estuprador não é pai. Família não se forma por estupro”, concluiu Joana de Angelis.

MULHERES TRABALHADORAS DA UFRJ na marcha de Copacabana no domingo, 23 de junho

 

No dia 22 de junho o Conselho Universitário (Consuni) da UFRJ aprovou, por unanimidade, a criação da Superintendência de Ações Afirmativas, Diversidade e Acessibilidade (SGAADA), num auditório lotado pela comunidade universitária. Foi um dia histórico para a luta antirracista e para seus militantes. Nesta terça-feira (25) esse dia será celebrado com uma solenidade no Auditório Hélio Fraga /CCS às 14h.

Um desses militantes, a servidora técnico-administrativa Denise Góes, que dedicou sua trajetória na UFRJ pela luta antirracista na universidade, teve homenagem merecida no Consuni. Nesse dia significativo ela apresentou sua reflexão sobre o racismo:

“O racismo nos invisibiliza; tira a nossa capacidade de falar, de nos pronunciarmos. Ninguém vai falar por nós, como tem ou não tem que ser. Eu não estou sozinha, atrás de mim tem muitos homens e muitas mulheres. Eu quero destacar isso. As mulheres são maioria na Câmara de Políticas Raciais. Nossa luta é coletiva. É por isso que este auditório está cheio hoje. A gente, hoje, coloca essa luta no mais alto patamar dentro da UFRJ. Mas as articulações têm que estar dentro e fora da universidade, porque o racismo é mundial”.

Hoje superintendente da SGAADA, Denise Góes apresenta um sucinto balanço de um ano de trabalho.

 

Sintufrj – O que representou a criação da SGAADA?

Denise Góes – Representou consolidar a pauta racial com ênfase nas políticas de ações afirmativas no âmbito institucional, ou seja, é a universidade pensando com profundidade na implementação e controle das políticas públicas de democratização do acesso. Com a SGAADA também se potencializa a pauta da diversidade e da acessibilidade no contexto da garantia de direitos.

Sintufrj – Houve avanços?

Denise – Sim, o avanço maior está sendo o da mobilização efetiva da comunidade universitária na construção de um movimento antirracista. Estamos a frente e em defesa de pautas fundamentais que antes estavam silenciadas.

Sintufrj – O que ainda deve ser feito?

Denise – Uma universidade do tamanho e complexidade da UFRJ nos impõe uma pauta extensa de ações e políticas antes não consideradas importantes. A unidade da SGAADA com todos os movimentos internos, a unificação das pautas com outras universidades, tendo o Ministério da Igualdade Racial (MIR) como o polo de luta, são ações que nos fortalecem. Precisamos entre outras ações alterar o currículo ainda eurocêntrico pontuando a necessidade de assimilar outros saberes. A unidade nos fará avançar.

Sintufrj – Qual o balanço que você faz?

Denise – Balanço positivo! Muito trabalho neste 1 ano. Formação para nós é fundamental, formação incide diretamente na construção da consciência crítica que nos movimenta para sedimentar um espaço representativo, diverso e plural.

DENISE GÓES, à frente da Superintendência voltada para consolidar políticas antirracistas na UFRJ FOTO: RENAN SILVA