Com exceção do ministro Marco Aurélio, Corte considerou que relatórios ferem o direito à liberdade de manifestação

Matéria retirada do Brasil de Fato

O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou nesta quinta-feira (20) que o Ministério da Justiça e Segurança Pública pare, imediatamente, de produzir e compartilhar relatórios sigilosos sobre cidadãos ligados ao movimento antifascista contra Jair Bolsonaro (sem partido).

A ação, de autoria do partido Rede Sustentabilidade, foi motivada por um “dossiê” do governo com informações pessoais de 579 servidores federais e estaduais de segurança e três professores universitários. Nos arquivos, compartilhados com outros órgãos públicos, há nomes, fotos e endereços de redes sociais de opositores do governo.

Relatora do caso, a ministra Cármen Lúcia manifestou-se duramente contra os relatórios, reforçando que “o Estado não pode ser infrator, menos ainda em afronta a direitos fundamentais, que é sua função garantir e proteger”. Ela considerou que a prática fere o legítimo direito de manifestação e votou pela suspensão dos dossiês.

A ministra pontuou que os serviços de inteligência são constitucionais e fundamentais, mas que não podem ser confundidos o “uso e abuso” da máquina pública contra a liberdade de cidadãos, como foi no caso. Cármen Lúcia afirmou que a República não admite mais “catacumbas” de segredos.

“Direitos fundamentais não são concessões estatais, são garantias aos seres humanos conquistadas antes e para além do Estado, e seu objetivo é possibilitar o sossego pessoal e a dignidade individual”, defendeu a relatora.

E Estado não pode ser infrator, menos ainda em afronta a direitos fundamentais.

O ministro Alexandre de Moraes disse que a função dos serviços de inteligência é trabalhar com fatos, não com informações pessoais sobre escolhas pessoais ou políticas. Ele chamou o dossiê de “fofocaiada”.

“A legislação autoriza, dentro dos fatos, que se identifique pessoas, mas não bisbilhotar e supor se essas pessoas, principalmente servidores públicos, são a favor ou contra o governo, são a favor ou contra essa ideologia ou outra. Isso é grave. Como foi feita, estava mais para fofocaiada do que para um relatório de inteligência”, aludiu Moraes.

Estava mais para fofocaiada do que para um relatório de inteligência.

Em seguida, o ministro Edson Fachin sugeriu que os dossiês são comparáveis à época da ditadura brasileira. “Num país que chamou para si, em 1988, a expressão “nunca mais”, em matéria de autoritarismo, só esta circunstância já levaria a demonstrar o abrigo jurídico-normativo na Constituição brasileira sobre as pretensões legítimas e vertidas na inicial”.

Para o ministro Luís Roberto Barroso, o governo inverteu a lógica democrática: monitorou antifascistas em vez de se preocupar com fascistas que impõem risco real ao Estado democrático.

“Esse tipo de monitoramento para saber o que fazem eventuais adversários é completamente incompatível com a democracia, a menos que se tivesse qualquer elemento para supor que eles tramavam contra o Estado ou contra as instituições democráticas. Se a preocupação fosse verdadeiramente essa, talvez fosse o caso de monitorar os grupos fascistas e não os grupos antifascistas”, disse.

A ministra Rosa Weber disse que a invasão aos dados dos antifascistas é uma violência. “Quando se volta essa atividade contra pessoas apenas em razão do que pensam, ausente qualquer base material justificadora da atividade, desvia-se da finalidade que a legitima e traduz verdadeira violência”.

O ministro Luiz Fux citou Rita Lee e Caetano Veloso para evidenciar que, em um Estado democrático, é “proibido proibir” manifestações livres e democráticas. Para ele, o governo agiu na direção de intimidar os cidadãos.

“Liberdade de expressão é algo que combina com a democracia. Uma investigação enviesada, que explore pessoas para investigar, revela uma inegável finalidade intimidadora no próprio ato de investigação”, diagnosticou Fux.

A gente não pode menosprezar esse tipo de organização Tabajara.

O breve voto do ministro Ricardo Lewandowski reforçou a posição enfática da Corte contra o dossiê. Ele destacou que, além da suspensão dos atuais relatórios, é preciso que o STF estabeleça melhores parâmetros para o uso de serviços de inteligência.

“O que eu acho importante é que o Supremo Tribunal Federal estabeleça, desde logo, alguns parâmetros para essa importante atividade estatal, para que nós não revivamos a história recente, dessa vez como farsa, o macarthismo [termo que se refere à repressão política estadunidense contra comunistas] que se desenvolveu nos anos 1950 nos Estados Unidos”, comparou.

Ao reforçar que os relatórios constrangem os cidadãos e ferem o direito à liberdade, o ministro Gilmar Mendes criticou a qualidade dos relatórios feitos, segundo ele, por serviços de “desinformação” parecidos como uma “organização Tabajara”.

“A gente não pode menosprezar esse tipo de organização Tabajara, que pode ameaçar o sistema jurídico institucional. O fato de haver esses desacertos pode fazê-los ainda mais perigosos”, ponderou Gilmar.

O ministro Marco Aurélio de Mello usou boa parte do voto para reclamar da peça formulada pelo Rede Sustentabilidade, classificada por ele de “pérola”. Ele sugeriu que o partido se baseou em elementos “pinçados pela imprensa” para chegar a conclusões sem ter acesso aos dossiês, que estavam sob sigilo.

Embora tenha reconhecido que os relatórios são inconstitucionais, ele foi o único a votar por não suspender os dossiês. Para ele, a ação é fruto de disputa política. “É sintomático que o autor da ação seja um partido de esquerda”, atacou o ministro.

Último a votar, o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, exaltou o trabalho da relatora e também votou contra os dossiês, encerrando o placar em 9 a 1. Ele também isentou a culpa, neste caso, do atual ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, já que os relatórios começaram a ser produzidos em abril, na gestão do ex-juiz Sergio Moro.

“Nós não podemos fazer injustiças com pessoas que dedicam a vida pública ao Estado brasileira de maneira correta. Há muitas pessoas que aparecem na imprensa bem na foto, mas são péssimas na vida pública, criando fundos para administrarem, criando inimigos políticos para depois serem candidatos, afastando pessoas da vida pública e querendo galgar, depois, eleições futuras”, alfinetou, enigmático.

 

Segurança em relação a vida, inclusão de todos os estudantes e manutenção da qualidade do ensino foram relacionadas pela Andifes, a associação que reúne os dirigentes das Ifes, como pré-condições para o retorno das atividades nas instituições. Pelas previsões do presidente da entidade, Edward Brasil, as universidades só devem retormar o calendário normal em 2022.

Segundo números da Andifes apresentados em coletiva nesta quinta-feira 20, das 69 instituições que compõem o sistema federal de ensino superior, 54, já voltaram com as atividades por meio remoto.

O presidente da Andifes traçou um panorama das providências tomadas pelas universidades desde o início da pandemia. Ele destacou o esforço para manter as atividades essenciais e a grande contribuição à sociedade e a governantes por meio de orientações, pesquisa de tratamentos e busca de vacinas, além da produção de insumos e equipamentos.

Há uma grande preocupação dos reitores em poder viabilizar a retomada das atividades com segurança. Eles têm consciência dos desafios diante de uma pandemia que não terminou e cujos efeitos ainda perdurarão por um longo tempo. O presidente da Andifes antecipou que as universidades só devem retomar seu calendário normal em 2022.

Retorno remoto
Edward Brasil afirmou que neste momento a realidade é o retorno remoto, mas que haverá o tempo em que o presencial se fará necessário. “E as universidades precisam estar organizadas para isso.” Mas, para tanto, as verbas são mais do que necessárias.

“De todas as questões que estamos lidando, é a que mais nos atinge e exige nosso empenho para reverter a possibilidade de envio de uma lei anual orçamentária com redução de 18,2% do nosso orçamento”, observou o presidente da Andifes.

Nesta realidade estão 1.005.865 estudantes de graduação com seu futuro em jogo. Destes, 905.791 necessitam de auxílio através dos programas de bolsas ofertadas pelo sistema federal de ensino e pelas universidades. Neste contingente, 403.792 têm renda familiar per capita de até 1/2 salário mínimo, isto é, não mais do que R$ 500,00.

“A média que precisa desse apoio dos programas é de 30%, de 350 a 400 mil estudantes”, informou Edward.

Escolas militares
Estes estudantes mais carentes não estão sendo levados em conta pelo presidente Jair Bolsonaro. Sua prioridade é outra, e já está em andamento: o programa das escolas cívico-militares. “Uma promessa de campanha que funciona como mais uma fonte de rendimentos para militares inativos que, sem experiência na área, são plantados em colégios públicos país afora com a tarefa de disciplinar estudantes e administrar as unidades”, noticia o Jornal GGN em matéria desta quinta-feira, 20.

É a pasta da Defesa quem paga esse pessoal. E o MEC, por sua vez, estaria disposto a destinar mais verbas à Defesa, num incremento do programa que passaria a R$ 108 milhões em 2021 contra R$ 54 milhões destinados este ano.

O Jornal do Sintufrj aproveitou a oportunidade da coletiva para perguntar sobre a Instrução Normativa do Teletrabalho. Até que ponto ela poderia comprometer o esforço de retomada das atividades nas universidades.

Edward Brasil respondeu que o teletrabalho ainda será alvo de estudos da entidade, mas que veio para ficar. “O teletrabalho é uma realidade hoje nas universidades. No momento estamos voltados para garantir a segurança das pessoas neste momento de pandemia que não acabou e cujos efeitos não acabaram, não terminarão nos próximos meses e nem no próximo ano. Mas precisamos discutir e aprimorar o instrumento do teletrabalho, que é uma realidade hoje nas universidades”.

 

 

 

A professora Gisele Ricobom, da FND/UFRJ, confirmou presença na mesa que abrirá os debates do 1º Fórum Técnico-Administrativo da UFRJ organizado pelo Sintufrj para o início de setembro. A precarização do trabalho e a uberização do serviço público são os temas dessa mesa.

Gisele Ricobom é doutora em Direitos Humanos e integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, organização que tem se destacado na resistência ao autoritarismo.

Em artigos e entrevistas no auge da pandemia do coronavírus no Brasil, Gisele acusou Bolsonaro de cometer reiteradamente crime contra a saúde pública, por expor e incentivar a população a desacreditar nas consequências do vírus.

Gisele dividirá a mesa virtual na manhã de terça-feira, 1º de setembro, com o sociólogo Ricardo Antunes; com a ex-reitora da Universidade Federal de Juiz de Fora e deputada federal, Margarida Salomão; e com o professor Rafael Grohmann, da Unisinos/Rio Grande do Sul.

Com abordagem multidisciplinar, Gisele Ricobom foi coautora de artigo na edição brasileira do Le Monde Diplomatique cujo o título indaga: “Seria o Capitalismo uma doença?” A hierarquia social naturaliza o acesso desigual aos bens necessários para viver, diz um trecho do texto.

 

 

Três opções de inscrição estão disponíveis na página do Fórum no site do Sintufrj

a) Para ouvinte (servidor ativo e/ou aposentado): até 31 de agosto.
Link: https://sintufrj.org.br/cpd/forum2020/

b) Para apresentação de trabalho escrito (servidor e ou servidores sindicalizados ativos e/ou aposentados): até 24 de agosto.
Link: https://sintufrj.org.br/orientacoes-para-envio-de-trabalhos-escritos/

c) Para quem desejar enviar vídeos (servidor sindicalizado ativo e/ou aposentado): até 24 de agosto.

Inscrições para apresentação de trabalho podem ser individuais ou em grupo.

Para as apresentações de vídeo
Os vídeos deverão ter no mínimo 1min30 e não podem ultrapassar de 3 minutos, devendo ser inéditos e em qualquer mídia/formato. Enviar para forumsintufrj2020@sintufrj.org.br, informando seu nome e SIAPE.
Link: https://sintufrj.org.br/orientacoes-para-envio-de-videos

A Comissão de Heteroidentificação da UFRJ, depois de seis meses de trabalho, concluiu as avaliações do primeiro semestre deste ano. De 2.323 candidatos autodeclarados pretos e pardos aprovados para ocupar vagas dos cursos de graduação sob o critério das cotas raciais, 65,9%, isto é, 1.381, foram considerados aptos. Esse número aumentou para 1.531 após o julgamento dos recursos.

Segundo o presidente da Comissão de Heteroidentificação, o professor Marcelo de Pádula, é uma experiência inédita na UFRJ a implantação desta comissão para confirmação das autodeclarações dos candidatos que concorrem às vagas PPI – pretos, pardos e indígenas.

“Na minha percepção, digo que a UFRJ jamais será a mesma universidade. Ela abre as portas agora e recebe de braços abertos não só esses estudantes, mas também a política de cotas raciais”, atesta o professor, que disse que a sua experiência foi um grande aprendizado.

Para ele, um branco presidir uma comissão para avaliar a autodeclaração de um candidato negro ou pardo foi um ato simbólico.

“Do ponto de vista pessoal e institucional é um exemplo. Foi não só didático e terapêutico. Para cada um dos servidores da UFRJ, inclusive estudantes também, experimentar a oportunidade de estar numa comissão de heteroidentificação, passar por um curso específico para isso, é um processo formador.”

A comissão é formada por professores, técnicos-administrativos e estudantes. São 54 integrantes, divididos paritariamente, e sob o critério de gênero e raça.

Desconstrução

Marcelo de Pádula afirma que esse processo de formação envolve “a gente reconhecer enquanto branco o próprio racismo e começar um processo de desconstrução”. O professor ensina que “os brancos precisam encontrar com o seu racismo e começar esse processo, que não é óbvio e nem evidente”.

Para a coordenadora da Câmara de Políticas Raciais da UFRJ, a técnica-administrativa Denise Góes, o trabalho da comissão dirimiu dúvidas na avaliação do fenótipo dos candidatos, principalmente pardos, e ratificou o direito à vaga daqueles realmente inseridos no critério racial.

“O trabalho da comissão se constituiu num importante instrumento, através das Comissões de Heteroidentificação, que permitiu que as vagas oriundas da Lei de Cotas fossem para quem atende aos critérios fenotípicos preconizados pela Orientação Normativa nº 4, de 6 de abril de 2018”, afirma.

Esta orientação normativa regulamentou o procedimento de heteroidentificação complementar à autodeclaração dos candidatos negros, instituindo, assim, as comissões de heteroidentificação para avaliação sob o critério fenotípico dos candidatos.

E, segundo Denise, para além do número de aptos ou não à vaga, todo o processo que envolve o trabalho da Comissão de Heteroidentificação desperta e aprofunda o debate acerca da discussão racial no interior da universidade e da ocupação dos espaços.

“Foi uma experiência exitosa. Pudemos perceber o quanto os candidatos pretos e pardos tomaram para si o direito conquistado, advindo de uma luta de décadas do Movimento Negro no Brasil. É um direito, uma dívida do Estado brasileiro, e não uma esmola como muitos preferiram compreender. A desconstrução da meritocracia enquanto um entrave foi uma vitória do Movimento, e esse processo consolidou a assertividade dessa política pública de democratização do acesso ao nível superior.”

Para a estudante de biologia Dayane Alves, que entrou em 2019 pelo sistema de cotas e participou do trabalho de heteroidentificação, os negros estão ocupando seu lugar de direito e de fato na universidade pública. Vale lembrar que a Comissão de Heteroidentificação foi criada na UFRJ em 2019 por demanda dos coletivos negros de estudantes para apurar as centenas de denúncias de fraudes no sistema de cotas raciais.

“Como alunos negros, não temos representação institucional na universidade. Nem temos docentes negros, praticamente. Considero os aprovados na comissão dentro do critério racial um número significativo, e isso para mim é o resultado de que os alunos negros estão sendo protagonistas de sua história. E ocupando vagas a que têm direito nos cursos mais concorridos. Esta comissão de heteroidentificação ampliou a possibilidade de os verdadeiros cotistas adentrar à universidade pública”, comemorou a estudante.

COM EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO e distanciamento social, membros da Comissão de Heteroidentificação se reuniram no hall do Centro de Tecnologia para concluir o trabalho