“Quem estava na rua fez certo, mas quem decidiu ficar em casa também estava certo”, disse a vice-presidente da CUT Rio, Duda Quiroga, convidada a avaliar as manifestações de domingo, 7 de junho.

Na opinião da dirigente, é compreensível “o lado de quem não consegue ficar em casa enquanto vêem fascistas tomando as ruas, domingo após domingo”. “Da mesma forma”, acrescentou, “entendemos que ficar em casa neste momento é uma questão de saúde pública”.

Duda Quiroga reafirmou a posição da CUT contra toda forma de flexibilização das regras de isolamento social, “mas não podemos nos opor aos que legitimamente necessitam expor o contraponto à barbárie. Ficar em casa ou não ficar é uma decisão individual nesta batalha coletiva”, disse.

Os brasileiros somaram-se aos protestos que vêm ocorrendo em todo o mundo pela igualdade racial nos últimos 10 dias. Mas as manifestações incorporaram o “Fora Bolsonaro”.  Os atos tomaram 20 capitais. Rio e São Paulo concentraram as principais manifestações de rua em oposição ao governo, a defesa da democracia e contra o racismo, que ocorreram ainda em Brasília e em outras capitais. Os atos pró-governo, menores, foram ofuscados.

O ato no Rio concentrou-se na Avenida Presidente Vargas, na altura do movimento Zumbi dos Palmares, e seguiu até a Candelária. A atuação violenta da Polícia Militar, resultando na morte predominantemente de jovens negros, e Jair Bolsonaro foram os principais alvos dos manifestantes. Eles lembraram também a morte da vereadora Marielle Franco.

DOMINGO, 7 DE JUNHO. O Largo do Batata ocupado por manifestantes antirracistas e pela massa que exige a saída do presidente fascista (Foto Rede Brasil Atual)

 

 

Se depender da Câmara, o Future-se não terá futuro no Congresso, vaticina a deputada Margarida Salomão (PT-MG), coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa das Universidades Federais. Rechaçado pela comunidade universitária quando foi apresentado pelo governo em julho do ano passado, o Future-se, projeto que abre portas para a privatização do ensino superior foi enviado, agora, para apreciação do parlamento.

Segundo a parlamentar, não há chance, sequer, de a proposta vir a ser pautada. “Há a indisposição de Rodrigo Maia com esse tema, sendo que o projeto não tem apoio na casa. Estamos voltados para as questões que envolvem a pandemia. E se eventualmente por uma medida administrativa vier a ser pautado excepcionalmente, será rechaçado pela Câmara”, avalia.

Segundo ela, o projeto enviado pelo governo Bolsonaro ao Congresso Nacional é a mesmo que foi reapresentado em janeiro deste ano e com suas premissas originais voltadas para o mercado. “Não tem nada de novo. Continua a conter uma visão economicista e produtivista da educação pública”, critica a parlamentar que já foi reitora da Universidade Federal de Juiz de Fora e presidente da Associação Nacional dos Dirigentes de |Instituições de Ensino Superior (Andifes).

O “Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras – Future-se” foi recebido dia 2 de maio na Câmara dos Deputados. O texto foi analisado pela Câmara, recebeu um número o qual passará a tramitar: PL 3076/2020. O texto está disponível no sistema e aguarda despacho do presidente da casa, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), para tramitar.

Recusa

O Future-se foi lançado em agosto de 2019 pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, em meio ao contingenciamento de verbas para as universidades federais. Foi criticado por mais de 40 instituições com rejeição imediata dos conselhos universitários de cinco, entre elas a UFRJ. Assembleias estudantis e de técnico-administrativos país afora rejeitaram, com ênfase, o projeto. I

Propostas

O Future-se acaba com o sentido público das universidades, institutos federais e Cefets. Altera eixos históricos que sustentam o caráter público e socialmente referenciado das instituições. A produção do conhecimento estaria submetida aos interesses do mercado e não mais voltada à necessidade da sociedade.

O programa propõe garantir a “autonomia financeira” através da captação de recursos junto ao setor privado, através de fundos de investimento, parcerias público-privadas e privatização do patrimônio imobiliário das Instituições Federais de Ensino.

Até as carreiras do magistério superior, do ensino básico e tecnológico e dos técnico-administrativos seriam desmontadas, haveria a cessão de atuais servidores para as organizações sociais e, ainda, para a contratação via essas organizações e não mais através de concursos públicos vinculado a regime jurídico Único dos Servidores Públicos Federais.

PARLAMENTAR que coordena a banca em defesa das universidades na Câmara diz que são remotas as possibilidades de o Future-se ser aprovado

Roberto Medronho observa que “nenhum país do mundo flexibilizou na ascendência da curva”

“Não é para abrir. É para fechar mais”. O alerta é do epidemiologista e professor da Faculdade de Medicina da UFRJ, Roberto Medronho, diante da flexibilização do isolamento social pelos governos. “Nenhum país do mundo abriu na ascendência da curva; eu tenho muito medo que exploda”. As autoridades, segundo ele, deveriam esperar: “É hora da gente dar uma boa segurada para quando liberar, (a situação) está mais tranquila”,

Medronho coordena o Grupo de Trabalho (GT) Multidisciplinar para Enfrentamento da Covid-19 GT da UFRJ, que recomendou a adoção do Lockdown (bloqueio total) para o município e o Estado do Rio de Janeiro. “Isso significa que é para aumentar ainda mais o nível de isolamento social. Mas, a prefeitura e o governo estadual, pressionados por questões econômicas e políticas, resolveram adotar o sentido contrário do que estamos propondo”, lamenta.

O especialista prevê que a flexibilização terá como impacto o aumento do número de casos e de óbitos, e postergará ainda mais o “momento de retorno a um nível de atividade próximo do normal.”

“Espero que autoridades estejam corretas, embora tenha certeza que não estão tomando decisões baseadas na ciência, mas em interesses econômicos e políticos. Isso pode trazer mais sofrimento, mais mortes. Eles não pensam é que um povo adoecendo e morrendo não recupera nenhuma economia, nem aqui e em nenhum outro lugar do mundo”.

 

Com relação a UFRJ, que tem autonomia universitária, Medronho acredita o retorno total às atividades presenciais somente ocorrerá quando houver realmente segurança para os técnicos-administrativos, docentes e alunos.

A flexibilização, segundo Medronho, é a mais clara expressão do desprezo que os governos e a elite econômica têm para com o povo. “Espero que nossa elite econômica, em sua maioria discriminatória, preconceituosa, resultado de uma sociedade marcadamente escravocrata e que nunca se preocupa especialmente com o povo negro, não pela vontade dela, mas pela luta do povo, deixe de ficar morando de frente para o mar e de costas para o Brasil”, apontou o professor.

“No mundo, e nós, no Brasil, vamos ter que refletir profundamente sobre que mundo é esse que estamos vivendo e qual mundo queremos. Não será a última pandemia que viveremos, principalmente se não mudarmos nosso modo de produção, de organização social, o nosso modo de vida”, ponderou.

Retorno às aulas

Ainda não dá, segundo Medronho, para prever quando poderá haver aulas presenciais e nem em grandes anfiteatros. Principalmente com o afrouxamento do isolamento social, cuja tendência, alertou, é que haja um repique da Covid-19, prolongando ainda mais a volta à normalidade.

Na avaliação do epidemiologista, a volta das atividades acadêmicas só de forma remota. “E, quando voltarmos, é muito provável que não seja como antes da pandemia, com salas de aulas lotadas e aglomerações acontecendo na hora do almoço, como fila nos bandejões, todo mundo sem máscara. Nada disso será possível. Talvez (a normalidade) possa ir retornando aos poucos, num mix de modo remoto e presencial, com as pessoas tomando o devido cuidado com relação ao uso de máscara e a higiene das mãos”.

Medronho é favorável a instalação do ensino remoto o mais depressa possível “para que possamos estar em contato com os alunos, discutindo questões, inclusive, sobre a pandemia, e entender como ela afeta diversas áreas da ciência. A volta remota de atividades acadêmicas permitirá que possamos, através do conhecimento, elaborar propostas mais precisas para nós e toda a sociedade”.

Mas, ele defende que a universidade tem que garantir suporte para que todos os alunos tenham acesso aos conteúdos remoto.

A revolta expressa nos protestos antirracistas no mundo teve como estopim o assassinato de George Floyd por um policial branco no estado de Minessota (EUA). No Brasil, os negros são vítimas de genocídio que tem raiz no racismo e na desigualdade. O assassinato do menino João Pedro  no dia 18, baleado durante uma operação das polícias Civil e Federal no Complexo do Salgueiro, comove o país. Outros assassinatos de jovens negros pela polícia nos últimos dias ampliaram o impacto da violência e da segregação. João Pedro estava na casa do tio dele. A perícia apontou que o tiro que matou o menino entrou pelas costas. Esta entrevista com Tainá de Paula, arquiteta, urbanista e militante do movimento negro foi concedida ao vivo em 13 de maio, portanto antes dos eventos no Brasil e nos Estados Unidos. Mas traz uma reflexão importante sobre como o racismo se manifesta no dia a dia da vida brasileira. Uma chaga contra a qual temos que lutar. Assista.