A área de educação, setor estratégico para o país, terá no governo Bolsona­ro o combate ideológico e a de­fesa do projeto Escola sem Par­tido, que proíbe professores de se manifestarem livremente em sala de aula e que discutam, por exemplo, questões de gênero. As universidades públicas são o alvo preferencial. O Jornal do Sintufrj ouviu a respeito a pre­sidenta do Conselho Estadual de Educação, Malvina Tuttman, que foi reitora da Unirio e presi­diu o Instituto Nacional de Es­tudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Jornal do Sintufrj – Diante do que está sendo anun­ciado, o que deve preocupar mais os setores progressistas da educação?

Malvina Tuttman – Es­pecificamente na educação, o atual governo reuniu profis­sionais com uma forte marca conservadora e, em sua maio­ria, sem experiência na área de atuação para a qual foram nomeados. A equipe constituí­da também não apresenta mi­nimamente um currículo em que se possa perceber experi­ência na área de gestão educa­cional, especialmente em uma vertente democrática. Talvez tenha sido esse um dos crité­rios para a sua escolha. Pode­mos intuir, portanto, algumas consequências: a ampliação de caminhos para a iniciativa privada; o fortalecimento da aliança liberalismo e conser­vadorismo; a tentativa de im­posição de práticas coercitivas da liberdade de expressão nas instituições educacionais, ini­bidoras da reflexão, do pensa­mento crítico, da evolução da humanidade.

JS – O que a senhora acha que pode ocorrer com as univer­sidades federais?

MT – Algumas evidências já se anunciam, como a ten­tativa de cercear a liberdade de expressão, as formas de finan­ciamento e a cobrança de pa­gamento de mensalidades nas universidades públicas, o tér­mino das cotas, a diminuição de investimentos em pesquisas e em projetos sociais de exten­são, a interferência na escolha do reitor pela comunidade uni­versitária – são questões que trazem insegurança aos profis­sionais e estudantes.

JS – Professores são acusa­dos por este governo de transfor­mar as salas de aula em espaços de doutrinação da esquerda. O que a senhora acha disso?

MT – A escola é um espa­ço importante de construção de conhecimentos, do desenvolvi­mento do pensamento científi­co, da criatividade, de sociali­zação, de diálogo, onde deve ser exercitado o respeito às diferen­ças, vivenciada a solidariedade, confrontados diferentes saberes e fazeres. Trabalhar esses as­pectos seria doutrinação de esquerda ou trata-se de desen­volver ao máximo o potencial de humanidade do estudante? Cabe outra pergunta: em que dados se fundamenta o atual governo para fazer tal afirma­tiva? O resultado das recentes eleições no Brasil já derruba tal argumento de serem os pro­fessores doutrinadores. Talvez líderes de determinadas seitas tenham essa função. Profes­sores, não. Ao contrário, são libertadores!

JS – O projeto Escola sem Partido, por ora arquivado, deve retornar ao Congresso. Quais serão as consequências se for aprovado?

MT – Os frágeis pressupos­tos do projeto Escola sem Par­tido estão forjados em forças conservadoras que consideram valores como a discriminação, preconceitos sociais, religiosos, de gênero, entre outros, que atin­gem direitos humanos conquis­tados mundialmente. Aposta na exclusão e no silenciamento, no confronto entre família, estudan­tes e profissionais da educação, na quebra da confiança mútua. Acredita na metodologia da dela­ção e do medo.

Não queremos essa escola em nosso país! Escola que se diz sem partido tem partido único. Queremos a pluralidade. Depo­sito, ainda, confiança no nosso Congresso!

JS – De que forma os educa­dores que defendem a liberdade de pensamento podem respon­der a tudo isso?

MT – Precisamos estar cada vez mais unidos na defesa de uma educação de qualidade social. Não podemos fechar os olhos para as evidências. O momento exige ações que vão para além da marcação de posições. Acre­dito ser necessária a ampliação de espaços coletivos de discussão, respeitando o contraditório, es­cutando, confrontando, propon­do ações, incorporando outros sujeitos na discussão, inovando, reinventando, defendendo a de­mocracia.