Eles não entendem as razões pelas quais a Reitoria voltou atrás na decisão de concessão do grau máximo de insalubridade
De todas as formas, desde que a pandemia no novo coronavírus chegou no país, o Sintufrj defende a extensão a todos os profissionais de saúde das unidades hospitalares do grau máximo do adicional de insalubridade. Mas, essa justa reivindicação está esbarrando em interpretações de gestores que seguem a linha do governo para a concessão do benefício, mesmo diante de uma crise viral que já ultrapassou mais de cem mil mortos.
O governo Bolsonaro legisla com base nos números frios da economia e baixa para o serviço público orientações normativas que na maioria das vezes desrespeita direitos dos trabalhadores. No caso da insalubridade, não houve por parte do Planalto a mínima preocupação em adequar a orientação à realidade da pandemia. E, devido a interpretações de gestores, foi criado um problema sério nas instituições públicas, como ocorre na UFRJ.
Desrespeito
“A Orientação Normativa nº 04 não leva em conta o momento de crise viral. O que estamos reivindicando é que, com base na lei que decretou a pandemia e reconheceu os profissionais essenciais para o atendimento –, e tendo-se agora ampliado o entendimento de quem são os trabalhadores essenciais para o combate à Covid-19, seja reconhecido que os trabalhadores dos mais variados cargos na UFRJ são essenciais para o atendimento aos pacientes contaminados. Por isso, eles fazem jus ao grau máximo do adicional. Mas, infelizmente, a Pró-Reitoria de Pessoal (PR4) e a Coordenação de Políticas de Saúde do Trabalhador (CPST) — apesar da reitora ter compreendido e concordado com o Sintufrj — não têm esse entendimento”, disse a coordenadora-geral do Sintufrj, Gerly Miceli.
A dirigente adianta que a reivindicação do Sintufrj é para que o adicional no grau máximo se estenda para a pós-pandemia. “Como também temos processos nos quais foi concedido o grau médio, mas que apontamos que o adicional deverá ser concedido em grau máximo, inclusive com algumas vitórias judiciais nesse sentido, vamos continuar reivindicando o grau máximo também para após a pandemia para alguns profissionais da saúde, principalmente, e também de laboratórios”, informou Gerly.
Frustração, revolta, indignação são os sentimentos dos profissionais da saúde envolvidos com o combate ao coronavírus. Como Marcos Padilha, do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) e Aline Muniz, do Instituto de Atenção à Saúde São Francisco de Assis (ex-Hesfa).
Indignação
Marcos Padilha, técnico de enfermagem no HUCFF, atua diretamente nas ações da pandemia na unidade e, atualmente, está no Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias (DIP). Segundo o servidor, os profissionais de saúde que entraram na universidade após 2016 e pelos últimos concursos, trabalham no DIP e não recebem o grau de insalubridade máximo.
“Os profissionais que estão lotados e trabalharam no DIP não receberam o grau de insalubridade máximo. Nós ficamos muito revoltados, porque colocamos a nossa vida em risco e quando conquistamos um direito e não recebemos esse direito é como se nós estivéssemos sendo ignorados ou esquecidos.
Mais a gente espera que essa situação se reverta, porque continuaremos lutando e reivindicando pela concessão do grau de insalubridade máximo enquanto a pandemia perdurar, como também o valor retroativo do adicional a partir de março, quando foi baixado o decreto de calamidade pública.
Nós ficamos muito indignados com essa situação, porque atuamos diretamente com pacientes da Covid-19, mas mesmo quando não atuamos no setor especificamente para a Covid-19, convivemos com profissionais, com colegas, que tem proximidade com os pacientes. Então nossa vida está sempre em risco, pois podemos a qualquer momento ser infectados pelo vírus Sars-Cov-2”, desabafou Padilha.
Reconhecimento
A enfermeira Aline Muniz trabalha no setor de apoio e suporte para dependentes químicos e alcoolismo do Instituto de Atenção à Saúde São Francisco de Assis (ex-Hesfa). Ela lida com o risco de contrair o vírus o tempo todo, pois entre os pacientes estão moradores de ruas.
Aline, que é pós-graduada em enfermagem do trabalho, especialista em saúde do trabalhador e saúde mental, e doutoranda em educação, faz uma análise mais profunda da problemática que envolve os profissionais de saúde na pandemia do coronavírus. Para ela, o pagamento do adicional em grau máximo trata-se de um reconhecimento pela instituição da importância do trabalho que realizam cotidianamente e não é, portanto, uma questão somente de dinheiro.
“Nós temos visto o alto índice de incapacidade, tanto em nível de saúde mental como físico, que essa pandemia tem alcançado as pessoas. A enfermagem tem perdido uma força de trabalho potente. Colegas têm morrido em decorrência da pandemia e desse vírus. Então é muito certo e muito justo que a gente, como profissional de saúde que atuam no combate à Covid-19 recebamos esse adicional.
Meu dia a dia é de atendimento. O paciente circula por todo lugar e frequenta locais com alto índice de contaminação. A gente trabalha também com um alto nível de sofrimento mental, o que reduz também a nossa capacidade de combater o vírus, ou seja, o profissional de saúde ele já está debilitado por uma série de questões.
A literatura mostra que 45% dos profissionais de saúde que atuaram em pandemias anteriores, como na de Sars em 2002, saíram dela com crise de pânico. Ou seja, todos os profissionais vão sair com algum tipo de sequela, sejam físicas ou psicológicas e que não podem ser mensuradas por questões monetárias.
Nós precisamos ser vistos e não é correto que todos os profissionais que atuam nessa pandemia não ganhem o grau máximo. Não tem motivo. E a UFRJ, como a universidade que está pesquisando e orientando protocolos nessa pandemia, não pode ser contraditória. Como fala uma coisa e não faz? A própria instituição reconheceu, através da reitora, que isso se faz necessário.
O que está acontecendo? Por que a burocracia está tão impertinente? Estamos desde março sem respostas às nossas dúvidas. E isso com muitos atravessando um alto grau de sofrimento. Está mais do que na hora de termos esse reconhecimento pela universidade. É um direito certo,” concluiu Aline.
Recuo da Reitoria
O assessor do Sintufrj, engenheiro do Trabalho Rafael Boher, faz um relato sobre a batalha do Sindicato pela extensão do adicional de insalubridade máximo aos trabalhadores dos hospitais da UFRJ que estão atuando na linha de frente no combate à pandemia do novo coronavírus.
“Desde início do isolamento social a direção do Sintufrj reivindica a concessão do grau máximo de insalubridade para os servidores que estão não linha de frente no árduo trabalho de salvar vidas em função da pandemia da Covid-19. Após algumas iniciativas sem sucesso junto à Pró-Reitoria de Pessoal (PR4), houve uma reunião com a presença da reitora, da pró-reitora de Pessoal, do procurador-geral da universidade e de uma representação da Coordenação der Políticas de Saúde do Trabalhador (CPST), quando comprovamos a legalidade do pleito.
Ficou encaminhado que a concessão do grau máximo seria baseado nos laudos preexistente e que os próximos constariam também de análise do ambiente de trabalho. A reunião foi encerrada com a direção sindical acreditando que, finalmente, havíamos chegado a um consenso no reconhecimento do direito do adicional, a partir dos elementos apresentados e exaustivamente debatidos.
Porém, dias depois, a pró-reitora de Pessoal recuou desse entendimento e disse à direção do Sintufrj que a CPST permaneceria encaminhando as avaliações a partir dos laudos individuais, considerando as regras estabelecidas na ON nº 04 (permanência e contato), sem considerar a excepcionalidade da pandemia.
Com essa mudança de posição, a direção do Sintufrj, por meio de sua assessoria, entregou à reitora um relatório que comprovava o contato in loco dos trabalhadores de diversos cargos com pacientes no decorrer de suas atividades, bem como o contato de profissionais que atuavam nos setores de apoio com materiais contaminados.
Diante disso o Sintufrj buscou a ampliação do entendimento da PR4/CPST sobre a concessão do adicional para todos os profissionais envolvidos no trabalho de combate à Covid-19 – porque inicialmente o adicional era concedido somente a médicos, enfermeiros e técnicos em enfermagem, mas o relatório mostrou que outros cargos precisariam ser incluídos nesse entendimento.
No dia 10 de junho, a reitora encaminhou o Ofício nº 23079.0574/2020 GR à PR4/CPST, comunicando o seguinte: “A Reitora da UFRJ solicita que os percentuais de insalubridade dos servidores que tiveram, anteriormente, laudo técnico que caracterize a exposição habitual ou permanente a circunstâncias ou condições insalubres ou perigosas no local de trabalho (Art. 9º, incisos II e III), garantindo o recebimento do adicional de insalubridade no percentual de, pelo menos 10%, uma vez submetidos, desde março de 2020, à exposição ao novo coronavirus, SarsCoV2, por estarem na linha de frente do enfrentamento da pandemia pela Covid-19, tenham seu percentual de insalubridade reajustado para 20%. Essa alteração de percentual se justifica pela exposição, por esses servidores, a esta grave doença que pode causar o óbito em algumas pessoas infectadas. Esta decisão está amparada no Parágrafo 3º do Art. 10º que prevê que o laudo técnico não terá prazo de validade, devendo ser refeito sempre que houver alteração do ambiente ou dos processos de trabalho ou da legislação vigente. Nesse caso, como já é sabido, houve alteração do ambiente de trabalho desses servidores.”
Essa iniciativa gerou uma grande satisfação e tranquilidade aos trabalhadores das unidades hospitalares da UFRJ que estão na linha de frente ou dando suporte direto, como no caso da central de materiais, no tratamento da Covid-19. Para a efetivação dessa medida os diretores dos hospitais encaminharam à PR 4 a relação nominal dos servidores que estão nessas condicionantes.
Mas, o Sintufrj identificou que a relação nominal enviada pelos diretores não foi considerada pela PR4/CPST. E apenas médicos e alguns profissionais da enfermagem tiveram alteração no percentual do adicional de insalubridade.
A direção sindical procurou a pró-reitora de Pessoal e esta reiterou que permaneceria encaminhando a concessão do grau máximo somente após novo laudo individual estabelecido pelas regras da ON 04 de 14 de fevereiro de 2017, desconsiderando a realidade imposta pela pandemia que coloca todos os pacientes em situação de isolamento, o Ministério da Saúde e as normas regulamentadoras em segurança e saúde do trabalho, que deixam claro quais os profissionais que têm direito ao adicional pleiteado.
A atitude da pró-reitora de Pessoal revelou que a PR4/CPST mantém na pandemia sua atuação cotidiana de levantamento de dados físicos dos espaços ocupados bem como seu layout, ao invés da exposição dos servidores ao vírus. Mesmo após ganharmos o importante reforço da Lei nº 14.023 de 8 de julho de 2020 do Palácio do Planalto, que não garante o adicional de insalubridade — por isso o critério para quem recebe no mínimo 10% –, mas deixa explícito às categorias que estão na linha de frente do combate ao vírus.
Cabe ressaltar que o ofício da reitora explicita os elementos que respaldam a legalidade do ato de concessão do grau máximo para quem já recebe percentual e está exposto diretamente ao vírus.
Diante disso, o Sintufrj solicitou que fosse informada as razões, no entender da Reitoria, que levaram ao recuo do atendimento da justa reivindicação do Sindicato, após o encaminhamento da reitora.
Foi frustrante para os profissionais de saúde a mudança de decisão da Reitoria sobre essa questão. Anteriormente eles haviam comemorado a decisão da reitora, por verem seus direitos reconhecidos e, principalmente, porque finalmente uma gestão da UFRJ teve um olhar cuidadoso, humano e respeitoso ao trabalho que desempenham cotidianamente sob todos os riscos”.