Setenta por cento dos profissionais que atuam na linha de frente no combate ao novo coronavírus são mulheres. De acordo com o Conselho Federal de Enfermagem, 84,6% compõem as equipes de enfermagem país afora – enfermeiras, auxiliares e técnicos de enfermagem. Neste grupo, as mulheres negras têm sido as mais afetadas.
A pandemia afeta de diferentes formas os trabalhadores da saúde que estão na linha de frente, mas, neste contexto pandêmico, as disparidades de gênero e raça ficam mais evidentes. Isso é o que revela a pesquisa “A pandemia de covid-19 (os)as profissionais de saúde pública: uma perspectiva de gênero e raça sobre a linha de frente”, realizada pelo Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB) da Escola de Administração de Empresas de São Paulo e da Fundação Getúlio Vargas e divulgada pela Agência Bori. Veja:
Elas sentiram medo (84%), desconfiança (28%) e tristeza (53%), e também declararam mais sensação de despreparo (59%) em relação a mulheres brancas, homens brancos e negros.
“As mulheres constituem cerca de dois terços da força de trabalho em saúde em todo o mundo e, embora estejam globalmente sub-representadas entre médicos, dentistas, farmacêuticos, representam cerca de 85% das enfermeiras e parteiras”, informa o relatório “Mulheres no centro da luta contra a crise covid-19”, da ONU Mulheres.
A ONU calcula que, dentre a população feminina mundial, as trabalhadoras do setor de saúde, as domésticas e as trabalhadoras do setor informal serão as mais afetadas pelos efeitos da pandemia do coronavírus.
Jornada sobre-humana
O isolamento social como medida de contenção à propagação do novo coronavírus também escancarou a desigualdade de gênero no país. As mulheres tiveram sua jornada de trabalho triplicada para dar conta de todas as atribuições. Cabe a elas os cuidados redobrados com os filhos, a administração e a higiene especial com a casa e, para as que estão home office, mostrar, em meio a essa rotina excepcional, eficiência, agilidade e equilíbrio emocional e mental.
Infelizmente são poucas as mulheres que dispõem de uma realidade privilegiada, no Brasil, e também são poucas as que contam com o parceiros mais colaborativos, que realmente ajudam na educação dos filhos e nas tarefas domésticas.
Cuidadora e o desemprego
Outra tarefa que sobrou para as mulheres nesta pandemia é o cuidado com os familiares mais idosos. Além da tripla jornada, são elas as responsáveis por todas as rotinas com seus ascendentes de mais de 80 anos, alguns bem debilitados (até sem capacidade cognitiva para cuidar deles mesmos).
São as mulheres também as que convivem mais de perto com os dramas do aprofundamento das taxas de desemprego e do trabalho informal. Quando não estão sem meios de sobrevivência (a taxa de desemprego das mulheres é 39,4% superior a dos homens), abrigam e dão suporte emocional e socioeconômico para filhos e netos. E não podemos esquecer que mais de 45% dos lares atualmente são chefiados por mulheres, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Estudo do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) mostra que neste um ano de pandemia, as mulheres seguiram ganhando menos que os homens, mesmo ocupando os mesmos cargos. Além disso, parcela expressiva delas perdeu o emprego: Em 2019, elas representavam 41,2 milhões da força de trabalho. Em 2020, caíram para 35,5 milhões de postos de trabalho.
Violência doméstica
No primeiro semestre de 2020, o país registrou 648 casos de feminicídio, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Com aglomeração familiar imposta pelo confinamento, explodiu a violência doméstica, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde os números de casos cresceram de 30 a 50%. E ficou constatado que em todas as classes sociais as mulheres sofrem com agressões físicas e verbais.
Depoimentos de trabalhadoras da UFRJ
“O trabalho remoto tem sido uma experiência muito ruim, muito angustiante. O trabalho se misturou com minha vida privada. Quando acordo de manha não sei se respondo os 30 e-mails que trazem demandas administrativas ou se faço o almoço. Para nós, mulheres, que vivemos nesta sociedade patriarcal, onde a maioria dos homens sequer aprendeu a fazer um arroz ou a limpar a casa, nós ficamos sobrecarregadas com o acúmulo destas tarefas sobre mulheres que, como eu, cuidam de filhos e filhas, idosos e idosas. Nós estamos muito cansadas. Diria até esgotadas. Não dá para a gente aceitar esta realidade como um novo normal. Não somos máquinas. Não conseguimos trabalhar e viver desta forma. E nosso luta, a luta das mulheres vai continuar eternamente!”.
Damires França, técnica em assuntos educacionais do IFCS e coordenadora do Sintufr.
“Sou filha e mãe de um casal maravilhoso de idosos – Jovita e José Luiz. Queria dar os parabéns e agradecer essa rede incrível de mulheres que a gente tem na UFRJ, que dividem esta realidade de conciliar jornadas duplas, triplas, tendo que trabalhar, administrar a rotina doméstica e estudar. E a gente sabe como está sendo foi mais desafiador no contexto da pandemia. Não foi fácil participar de maratonas de videoconferências, convidar estranhos para a nossa casa. Mas quando a gente olha para o lado e vê outras mulheres, entendemos que somos muito mais forte juntas. A gente consegue lutar por condições muito melhores e mais humanas de trabalho”.
Marize Figueira, produtora cultural, coordenadora de Integração e Articulação na Pró-Reitoria de Extensão e Coordenadora do Naprocult/ UFR.
“Se antes da pandemia e gente falava em jornada dupla – e que já não dava conta porque a gente sabe que toda mulher tem jornada tripla, quadrupla –, com a pandemia todos os nossos papeis de vida ficaram completamente expostos e juntos ao mesmo tempo. Principalmente quem está em home office. Comigo não é diferente. Meu papel de técnica em assuntos educacionais, de doutoranda, de cuidadora de gato, de filha e de esposa se confundem o tempo inteiro. Mas ao mesmo tempo dá um orgulho danado da gente olhar para traz e ver o tanto que a gente deu conta. E ter orgulho é tudo de bom. Ser mulher é tudo de bom!.”
Bárbara Tavela da Costa, superintendente de Integração e Articulação da Extensão da PR-5
“Estou aqui para mostrar o trabalho da mulheres nesta loucura que está sendo esse momento, que está sendo trabalhar dentro de casa em lugares improvisados, onde você tem que dar conta dos afazeres doméstico e da gama de trabalho que não deixa de acontecer. A gente continua trabalhando muito e a sensação que a gente tem é que não existe mais limite entre o que é horário de trabalho público e privado. Eu quero parabenizar todas a mulheres CIS ou trans neste momento de luta, mais um momento de luta que a gente estabelece no lar de divisão de tarefas e reorganização da vida e do trabalho”.
Denise Sá, coreógrafa da EEFD, coordenadora do Projeto Comunidança e da Companhia Comunidança
“Até hoje enfrento várias jornadas como trabalhadora, mãe, dona de casa, filha e mulher. Nesta pandemia questões comuns a todos nós se intensificaram ainda mais. O distanciamento social, a perda das pessoas queridas, o medo de adoecer, as dificuldades do home office, os ataques do governo ao funcionalismo e o descaso com a população. Devemos manter acesa a chama de nossas luta constante por igualdade de direitos”.
Roseni Lima de Oliveira, vigilante da UFRJ e coordenadora do Sintufrj
“Somos mães, filhas mulheres, aquelas que dão apoio à família, principalmente aos idosos. Temos uma grande jornada, não só trabalhando fora, mas cuidando da família. Guerreiras sempre e precisamos de respeito!”.
Laura Santos, técnica em enfermagem do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG),
“Nós somos superpoderosas: gerenciamos a vida de muitas pessoas que dependem da gente, no trabalho, na rua, em nossas casas. E precisamos gerenciar as nossas vidas para não sucumbirmos.”
Eleonora Baptista, técnica em enfermagem do Centro Cirúrgico do HUCFF”
“Apesar da pandemia, apesar do isolamento social, apesar do genocida Bolsonaro, as mulheres vão mais uma vez protagonizar uma demonstração de força e luta para construir uma saída para a crise sanitária e política nesse Brasil. Neste sentido, é necessário que todas nós, trabalhadoras das instituições públicas de ensino, da saúde e todos os setores estejamos participando das atividades unificadas chamadas pela vida das mulheres, por um Brasil democrático e, sobretudo, pelo Fora Bolsonaro e Mourão.”
Rosângela Gomes Soares da Costa, coordenadora da Mulher Trabalhadora da Fasubra
“Parabenizo a todas as mulheres, em especial as servidoras da UFRJ da área da saúde, cientistas, técnicas, docentes, terceirizadas. Todas as mulheres que nesta pandemia estão enfrentando um ritmo de trabalho com muito mais sacrifício. Mas são todas filhas da Minerva, deusa das mulheres e da sabedoria para que todas continuem nesta luta. E parabenizo nossa reitora, também mulher”.
Regina Célia Alves Soares Loureiro, Regininha, primeira técnica-administrativa emérita da UFRJ
“Uma breve saudação a toda as mulheres lutadoras, profissionais, medicas, mães que se doam diariamente em várias frentes para melhorar o ambiente de trabalho, a vida da família, em duplas e triplas jornadas que exigem tanto equilíbrio, tanto bom senso, tanto amor e tanta doação”.
Hermengarda Patrícia de Mello Santoro, técnica-administrativa emérita da UFRJ
*Estes e outros depoimentos estão na TV Sintufrj no youtube
Live expõe experiências de trabalho na pandemia
A Pró-Reitoria de Pessoal (PR-4) realizou na segunda-feira, 29, uma live sobre o tema A força da mulher na pandemia. A reitora Denise Pires de Carvalho abriu a atividade destacando que a Minerva, símbolo da UFRJ, é uma deusa romana que se compara à deusa grega Atena, que representa sabedoria, inteligência e estratégia de luta. “Mas não a luta violenta e, sim, a que passa pelo diálogo, uma característica do nosso gênero”, disse.
Segundo a coordenadora do Centro de Referência da Mulher Suely Souza de Almeida (CRM-UFRJ), Adriana Santos, desde o início da pandemia, o desafio da equipe tem sido o atendimento remoto às vítimas de violência doméstica, mas a cada dia aperfeiçoam os mecanismos e as técnicas para isso. Os contatos devem ser feitos pelos telefones (21) 3938-0600 e 3938-0603 (também watsapp), ou pelo e-mail: crmssa.ufrj@gmail.com.
A múltipla jornada, como trabalhar de casa e ao mesmo tempo cuidar dos filhos e desempenhar papel de professora, realizar as tarefas domésticas e ainda se preocupar com a renda familiar (quando o marido está desempregado ou teve o salário reduzido) estão adoecendo as mulheres. Sofrer de insônia, depressão e estresse são relatos rotineiros que a assistente social da Coordenação de Políticas de Saúde dos Trabalhadores da UFRJ, Aline Silveira, ouve diariamente. O atendimento aos servidores é feito por telefone e, segundo a profissional, em virtude da grande demanda, o acolhimento ocorre até nos fins de semana, porque os homens também estão procurando o serviço.
“Fomos pego de surpresa com a vida on-line, mas quando a pandemia se estabeleceu já fomos criando alternativas. Abrimos uma conta no zoo para apoio a eventos acadêmicos. Não imaginávamos que essa situação fosse demorar tanto tempo, com esse governo negacionista”, contou a presidenta da Adufrj, Leonora Ziller.
A enfermeira da Emergência do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Nathália Grativol, fez um depoimento pessoal sobre como enfrentou o início da pandemia atuando no setor de entrada dos pacientes vítimas da covid-19. “Vivi com muito medo e insegurança, porque essa é uma doença desconhecida e que a cada dia apresenta uma novidade. Fiquei três meses afastada da minha filha e um mês do meu marido. Temia contaminá-los”, afirmou.