São anos de salário congelado e o governo Bolsonaro e parlamentares da base governista não se sensibilizaram com a situação
Pelas normas legais, em ano eleitoral não é mais possível qualquer alteração em despesas de pessoal este ano. O prazo limite foi 4 de julho. Por isso o Fonasefe (Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais), do qual a Fasubra faz parte, mobiliza para garantir verba para reajuste do funcionalismo na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2023.
Na terça-feira (12), em votação da Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO), o Congresso autorizou a reestruturação e a recomposição salarial para as categorias da Segurança Pública, promessa de campanha de Bolsonaro.
O relator Marcos do Val (Podemos-ES) não incluiu no relatório a previsão de reestruturação ou recomposição salarial a outras categorias do funcionalismo público, mas permitiu ao governo federal conceder mais reajustes “que não implique em aumento de despesa”.
“Agora é lutar para colocar a gente dentro. O Fonasefe apresentou emenda. E percorremos o parlamento conversando com os deputados”, afirmou o coordenador-geral da Fasubra, Antônio Alves o Toninho. A LDO ainda vai a sanção presidencial.
Pressão
A Fasubra e as entidades do Fonasefe promoveram Jornada de Lutas de 4 a 7 de julho com diversos atos contra os cortes no orçamento da Educação, pela recomposição salarial, pela negociação coletiva dos servidores públicos, contra a privatização das estatais e pela imediata abertura dos trabalhos da CPI do MEC. Esta jornada contou com pressão aos parlamentares na saída dos Estados, na recepção no aeroporto de Brasília e protestos na Câmara dos Deputados e entrega de manifesto na Câmara e Senado.
“Estamos mobilizados apesar do fim dos prazos para reajuste esse ano. Semana passada fizemos um esforço concentrado com ação nos aeroportos cobrando o orçamento. Esta semana estivemos com o relator para ele deixar disponível verba para podermos fazer negociação salarial ano que vem e também negociação individual de carreira. Nossa campanha está na rua, em defesa do reajuste, da negociação coletiva dos servidores, contra os cortes na Educação principalmente nas universidades”, declara o coordenador de Relações Jurídicas e Trabalho da Fasubra, João Paulo Ribeiro o JP .
Em nota, a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público criticou a “não” política do governo Bolsonaro para os servidores públicos:
“Com o vencimento dos prazos para a concessão do reajuste salarial às categorias, o presidente Jair Bolsonaro entrará para a história como o único chefe do Executivo que não concedeu reajuste das perdas inflacionárias aos servidores”, frisa o texto.
E ressalta: “Resta aos servidores a expectativa de novos presidentes que respeitem os esforços dos trabalhadores da categoria, dando-lhes o que é de direito, segundo a própria Constituição “.
Ana Lúcia Goes, professora da UFBA e vice-presidente da Apub, aborda o assunto em entrevista
Gabriela Amorim
Brasil de Fato | Lençóis (BA) |
Com o bloqueio de verbas promovido pelo governo federal para o custeio das universidades públicas, diversas instituições de ensino superior do país afirmam que não conseguirão manter-se funcionando neste segundo semestre.
Na Bahia, o Instituto Federal da Bahia e a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) já se pronunciaram afirmando que, caso o bloqueio se mantenha, devem suspender o funcionamento em setembro.
Este bloqueio se soma à ameaça de aprovação de uma PEC que autoriza a cobrança de mensalidades em universidades públicas e à diminuição do orçamento das instituições de ensino superior que vem acontecendo nos últimos anos.
Ana Lúcia Góes, vice-presidente do Sindicato dos Professores Universitários da Bahia (Apub) e professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), explica que esses cortes e bloqueios têm colocado em risco as atividades dessas instituições e a permanência dos estudantes nas universidades.
Brasil de Fato Bahia: Professora, o que significa esse bloqueio do orçamento das universidades federais? Qual o impacto disso para as universidades baianas?
Ana Lúcia Goes: No último dia 27 de maio, as universidades públicas foram negativamente surpreendidas pelo anúncio do MEC de um bloqueio de 14,5% do orçamento discricionário das instituições federais de ensino superior, isso representa algo em torno de R$ 3 bilhões. Esse orçamento é para pagar o custeio, que são as despesas elementares, como água, energia, serviços terceirizados de segurança, portaria, limpeza, manutenção em geral, além de bolsas de monitoria e pesquisas acadêmicas e bolsas de assistência estudantil. Então, no caso da UFBA, esse bloqueio corresponde a mais de R$ 26 milhões. E o impacto disso nas universidades baianas é a incapacidade de pagar as despesas básicas para manter as instituições funcionando no segundo semestre de 2022. Estamos falando de limpeza, segurança e infraestrutura. O Instituto Federal da Bahia e a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia já emitiram notas de que não conseguirão continuar após setembro. Então é o colapso das instituições federais de ensino superior.
Além desse bloqueio, o orçamento destinado às universidades federais tem decaído ou estagnado nos últimos anos a despeito da inflação, aumento do número de estudantes etc. Isso coloca em risco o tripé do ensino, pesquisa e extensão de qualidade?
Desde 2019, vivemos tempos turbulentos para organizar essa equação. Vivemos constantes bloqueios e cortes orçamentários anualmente. Só pra se ter uma ideia, em abril de 2019, houve um anúncio de bloqueio de 30% para três universidades federais, a UFBA inclusa. Em 2020, a UFBA teve uma redução de 5% para as verbas de custeio se comparando com o orçamento de 2017. Em 2021, houve corte de 18% no orçamento da UFBA. Em termos reais, em 2022, a UFBA voltou a ter o orçamento de 2010. O Plano Nacional de Educação incentivou a expansão das instituições federais de ensino superior ao longo dos últimos anos. E isso fez aumentar a entrada de estudantes, aumentou o concurso docente e para técnico, aumentou a oferta de cursos, mas esse investimento não está sendo acompanhado pelo aumento do orçamento. Ou seja, as instituições federais de ensino superior têm mais despesas e menos receita. As universidades públicas estão intencionalmente sendo sucateadas por um projeto de Brasil que deseja manter as desigualdades, deseja manter a educação para a elite, manter um falso ideal de meritocracia e de oportunidades para todos e todas. E, respondendo a segunda parte da sua pergunta, para além de colocar em risco o tripé ensino, pesquisa e extensão, coloca em risco a própria universidade e o fim a que se destina, que é ser um lugar de produção de conhecimento, de fomento cultural, de crescimento social. As verbas discricionárias também garantem as bolsas de monitoria e de pesquisa, o que ajuda no desenvolvimento de pesquisa, ciência e tecnologia. Nós não podemos esquecer jamais do papel das universidades e institutos públicos brasileiros no combate à pandemia de coronavírus. Na busca incessante para entender a genética, o comportamento desse vírus, produzir vacinas, desenvolver engenharia reversa para manutenção e reutilização de aparelhos de ventilação mecânica e insumos, como a própria fabricação de face shield. As universidades públicas e institutos federais produzem 90% da ciência no país. Os cortes orçamentários, no geral, imobilizam a atuação das instituições federais de ensino superior nos pontos de transformação sócio-cultural e econômica. Muitas atividades de extensão acontecem em locais distantes da cidade, junto à população vulnerável como a população indígena, quilombola, população ribeirinha, periférica, em situação de encarceramento e privação de liberdade. Essas práticas envolvem deslocamentos de pessoas e claro verba para atuação local. Tudo isso se perde com os cortes dessas verbas.
Muitos estudantes também dependem dos auxílios permanência e bolsas para conseguir concluir os estudos no ensino superior. Esses orçamentos também foram afetados?
Com certeza. O maior impacto desses cortes é em relação aos estudantes sócio-economicamente vulneráveis. Pois essa verba também era direcionada para bolsas de programas de assistência estudantil, para moradia, alimentação e transporte, como o Programa Permanecer, por exemplo. E são esses programas que fazem com que muitos jovens permaneçam estudando. E vou lhe dizer mais: nós já observamos os efeitos dessa ação governamental nas IFES. Esses constantes bloqueios e cortes já estão afetando as matrículas nas universidades federais. Houve uma queda de 60% de matrículas no Sisu entre 2015 e 2021. A taxa de desemprego geral, a inflação afastam os estudantes do sonho de um futuro de Brasil mais justo e igual. O aumento na taxa de inscrição do ENEM volta a elitizar a universidade. Para aqueles que resistem, a perda dos auxílios obriga o estudante a deixar de estudar para trabalhar, para ajudar a família, para colocar comida no prato em casa. A universidade não tem como concorrer com essa situação. Quando a taxa desemprego está enorme, a inflação sobe a cada mês e a economia está destruída. Além dos cortes, estamos observando também que parece existir um ataque direto a populações específicas. A cada 10 estudantes indígenas e quilombolas que pedem auxílio permanência, 6 têm seu pedido negado. O aumento da burocracia também afasta estudantes das universidades públicas. Além da autodeclaração, os estudantes indígenas e quilombolas precisam apresentar uma declaração da comunidade de residência, uma declaração da Funai ou da Fundação Palmares e um termo de compromisso, quando antes bastava a solicitação.
A PEC 206/2019 que prevê cobrança de mensalidade nas universidades públicas começou a ser discutida recentemente na Câmara dos Deputados. Por que tantos sindicatos e entidades ligadas à educação se posicionaram contra esta PEC?
A Proposta de Emenda à Constituição 206 de 2019 dá uma nova redação ao artigo 206, inciso 4, e acrescenta um parágrafo 3º ao artigo 207, ambos da Constituição Federal, para dispor sobre a cobrança de mensalidades pelas universidades públicas. E essa PEC já traz em si dois equívocos importantes. O primeiro quando fere a garantia de acesso gratuito e universal ao ensino superior que a Carta Magna da Constituinte de 1988 afirma como princípio. O segundo, ao desconsiderar que hoje a universidade está ocupada por uma parcela de pessoas com menor nível sócio-econômico graças às políticas e programas de cotas e de bolsas de assistência estudantil, mesmo que essas ainda estejam sob ataque. Aliás, posso até fazer um parêntese e dizer que acredito que é exatamente por isso que esses programas estão sob ataque. E segundo a Andifes, em 2019, com a ampliação do número de universidades, cursos e matrículas, que facilitou o acesso das pessoas às instituições federais, em torno de 86% são de estudantes com renda familiar per capita abaixo de 3 salários mínimos. E em torno de 4,5% dos estudantes estão na faixa de renda familiar acima de 5 salários. A PEC 206 não é viável por diversos motivos. O desejo da base governista é de aprovar a PEC 206 e só depois criar o ponto de corte da renda. E só será definido pelo Poder Executivo sem detalhamento de como será esse controle. Um terceiro ponto diz respeito a criar castas e dividir a universidade entre os que podem e os que não podem pagar. Isso está contramão de tudo que pensamos sobre o projeto de universidade coletiva, integrada, diversa, inclusiva, plural, em que as diferenças possam ser respeitadas em um espaço que acolhe e transforma. Quarto, não existe um estudo que fundamente que o pagamento de mensalidades por aqueles mais ricos será a solução do orçamento das instituições federais de ensino superior. O que inevitavelmente pode levar a um subfinanciamento. Essa PEC 206 já começa fadada ao fim! Nós não a deixaremos passar!