Pode ser que a UFRJ não faça uma solenidade oficial de fechamento de seus campi, em junho, mas pouco a pouco a universidade vem interrompendo suas atividades, cortando despesas mínimas, reduzindo visivelmente o seu ritmo. Uma triste realidade cuja causa é a falta de dinheiro. A UFRJ não sobrevive sem recursos. A comunidade universitária tem se mobilizado e denunciado a situação caótica em que se encontra a instituição.
A greve dos técnicos-administrativos em educação de todas as instituições federais de ensino, que na UFRJ começou no dia 11 de março, não é apenas pela reestruturação da carreira e a recomposição salarial da categoria. O movimento reivindica também recursos para as universidades, institutos e colégios federais. Uma luta, como não poderia ser diferente, que tem o apoio dos estudantes.
Caos absoluto
A falta de dinheiro nas universidades é grave. Nas sessões do Conselho Universitário (Consuni) da UFRJ problemas são expostos pelos três segmentos e de todos os campi. Estudantes, técnicos-administrativos e docentes, inclusive dirigente de unidades acadêmicas apontam a falta de condições de estudo e trabalho. Os prédios apresentam problemas graves por falta de manutenção e de obras de infraestrutura, principalmente os mais antigos. Além disso, os trabalhadores terceirizados da limpeza, vigilância e portaria padecem com o atraso do pagamento de salários e benefícios. Constantemente eles são obrigados a parar para terem seus direitos respeitados. Muitas vezes as aulas são suspensas por falta de limpeza nas salas.
Recentemente alunos e servidores da Escola de Belas Artes (EBA) e da Faculdade de Letras realizaram protestos pelas condições precárias dos prédios. Na sessão do Consuni do dia 28 de março, a diretora do campus Duque de Caxias, emocionada, contou que lá a comunidade universitária enfrenta sérios problemas de infraestrutura. As atividades são interrompidas até por goteiras nas salas.
Protestos
Manifestações de estudantes e servidores de Duque de Caxias
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Protesto da EBA e ocupação do Salão Nobre da Reitoria
No Consuni
Protesto de estudantes de Duque de Caxias e da Faculdade de Letras no Conselho Universitário de 28 março.
Fechando aos poucos
A representante estudantil no Consuni Camile Paiva, na sessão do dia 11 de abril, defendeu mais visibilidade por parte da UFRJ da greve dos técnicos-administrativos em educação. “A greve tem que estar em todos os espaços da universidade. Hoje temos um país em luta e precisamos pensar como a UFRJ pode e deve se adequar a esse cenário. Não vai chegar alguém e falar ‘Vou trancar as portas da universidade. Acabou a maior universidade federal do Brasil’. Mas a gente vem fechando aos poucos, não é? Quantas coisas a gente fazia e não fazemos mais? Quanta coisa a gente quer fazer e não temos condições?, disse a líder estudantil.
Ela propôs que na sexta-feira, 19, toda a universidade aderisse a paralisação. “Precisamos parar de viver como se a universidade estivesse na normalidade. Precisamos mobilizar e mostrar que não está nada bom”, afirmou.
Camile Paiva, no Consuni do dia 11
Manifestações
“Eu sou estudante de Belas Artes e meu prédio é um cenário de Silent Hill (game e filme de terror psicológico)”, denunciou uma estudante. “Eu estudo na Belas Artes e eu já fiquei presa uma hora no elevador aguardando o resgate dos bombeiros”, falou outra no vídeo produzido coletivamente para divulgar a situação precária da unidade.
No dia 9 de abril, trabalhadores do serviço de limpeza do Centro de Tecnologia (CT) da JB Soluções, pararam durante toda a tarde e se reuniram no hall da unidade. Eles protestaram pelo atraso do pagamento dos salários. Segundo a Reitoria, naquela noite mesmo o dinheiro entrou na conta.
Sem internet
No início da tarde do dia 10 de abril, a rede de internet e o acesso aos sistemas da UFRJ foram interrompidos. A Superintendência Geral de Tecnologia da Informação e Comunicação (SGTIC) informou que a interrupção do fornecimento de energia no Fundão, seguido de picos de tensão, havia afetado um quadro de transmissão no Instituto Tércio Parcitti (Núcleo de Computação Eletrônica), equipamento responsável pela transmissão da energia (inclusive do gerador em caso de pane) para os equipamentos. Segundo a SGTIC, as medidas para tentar sanar as precárias condições em que a área de TIC da UFRJ se encontra estão sendo tomadas pela Reitoria. No dia 11, uma empresa de manutenção foi chamada e no dia seguinte o sistema foi normalizado.
“Deixaremos de atender a demandas”
A Pró-Reitoria de Planejamento, Orçamento e Finanças (PR3) apresentou a situação orçamentária da UFRJ em informe de 17 de abril:
Despesas previstas para 2024 |
R$ 524.772.609,94 |
A UFRJ já pagou |
R$ 96.143.400,65 |
Resta pagar |
R$ 428.629.209,29 |
Do orçamento de 2024 (R$ 283.470.914,00) restam apenas |
R$ 187.327.513,35 |
Déficit pode atingir R$ 392 milhões
“De nosso orçamento de nos restam apenas R$187.327.513,35 para fazer frente a essas despesas e, portanto, boa parte delas não serão honradas. Se for mantido o ritmo das despesas, concluiremos maio com apenas R$ 12.757.499,03 disponíveis em nosso orçamento e a partir de junho não teremos como atender a nossas obrigações, que totalizam atualmente R$ R$ 39.758.265,50”, diz o informe. Entretanto, garante a PR-3, a Universidade não irá parar em junho, “pois deixaremos de atender a demandas, via critérios a serem acordados com a Reitoria”.
De 2023 para 2024 foi repassado o déficit de R$ 107.732.167,56 e um elevado déficit de serviços não realizados. No início do ano, o déficit estimado para 2024 era de mais de R$354 milhões. Atualmente esse valor atinge R$ 392 milhões.
Um exemplo
No dia 15 de abril, a PR3 apresentou um quadro com as contas críticas que podem paralisar as demais atividades. No item Alimentação, por exemplo, para que se possa compreender o que o quadro mostra, a situação é a seguinte: O total anual previsto das necessidades de alimentação é de R$ 41 milhões. “Mas esse valor está subestimado, porque abrimos o RU2CT (o novo bandejão do CT) e estamos em vias de atender amplamente as demandas justas dos estudantes, com café da manhã e jantar”, explicou o pró-reitor, Helios Malebranche. Porém, o orçamento aprovado no Consuni para este item é de R$ 26 milhões, portanto, o déficit é de R$ 15 milhões.
O orçamento aprovado pelo Consuni foi calculado sobre os limites da Lei Orçamentária Anual. Nesse item da Alimentação (como nos demais em vermelho na tabela), não poderá haver déficit – o déficit será distribuído proporcionalmente entre os demais itens não grifados em vermelho. Essa distribuição, segundo explicou o pró-reitor, será feita na próxima divulgação das contas pela PR-3.
RUs
A paralisação dos terceirizados dos Restaurantes Universitários, segundo Helios Malebranche, não foi por falta de pagamento pela UFRJ às empresas prestadoras de serviços. O que ocorreu foi que as contratadoras não pagaram seus empregados. No Consuni do dia 11 de abril, ele informou que o pagamento foi feito pela universidade no dia 5.
Acorda, Alice!
Como a UFRJ vai se manter é a pergunta que os técnicos-administrativos em greve têm feito nos protestos. Como ocorreu no ato na UFRJ-Duque de Caxias, dia 4 de abril, em solidariedade aos terceirizados e por recursos e condições para o campus. Quando estudantes e docentes foram convocados a se unirem à luta e deixarem de agir como se a UFRJ estivesse “no país das maravilhas”, conforme definiu a técnica-administrativa Mariana Magaldi.
Cada dia pior
“Com o passar das décadas sem reformas, o que era ruim e arriscado se tornou terrível e perigoso, como é o caso do Pamplonão (oficina de artes) da Escola de Belas Artes — atualmente interditado por problemas estruturais –, e do prédio do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais e do Instituto de História, que necessita de reforma elétrica e estrutural. Em 2023, um ventilador caiu no meio do teto durante uma aula e um princípio de incêndio ocorreu em outra sala. Seguimos sem qualquer perspectiva de uma real recomposição orçamentária”, pontua o artigo do coordenador do DCE Mário Prata Thiago Braile.
Fuga de quadros
A Pró-Reitoria de Gestão e Governança (PR-6), responsável pelos contratos e licitações das empresas prestadoras de serviços, apontou um outro tipo de restrição, além da orçamentária, que é a de pessoal na quantidade adequada para a agilidade que os processos de pagamento exigem (são cerca de 120 contratos, totalizando 2.400 trabalhadores). Faltam, por exemplo, fiscais para informar à PR-6 que providencie o pagamento pela realização das empreitadas.
Este, entre outros setores da universidade, está perdendo servidores que buscam concursos em outras carreiras mais atrativas do ponto de vista da remuneração. “Os assistentes em administração saem porque o salário é muito baixo”, lamentam integrantes da equipe da PR6 – hoje com 44 pessoas, a metade do que seria necessário. O setor, que havia enviado solicitação de pessoal à Pró-Reitoria de Pessoal (PR-4), aguarda para breve a integração de 22 novos concursados. Mas sem muita esperança de que fiquem muito tempo na universidade: “Eles logo vão embora”.
“Dinheiro tem, mas é preciso pressionar”
“A UPRJ precisa de R$ 780 milhões para poder funcionar. O orçamento atual é o mesmo de 2011, de mais de 10 anos atrás. Isso é um absurdo, porque a universidade tem que ser prioridade. Atualmente mais ainda, porque a instituição abriu as portas para estudantes de baixa renda, que é a maioria do povo brasileiro”, afirmou o coordenador-geral do Sintufrj Esteban Crescente.
“E o que a gente vê”, acrescentou o dirigente, “é o orçamento público sendo abocanhado por meia dúzia de pessoas com interesses inescrupulosos. Esse ano teve recorde de verba para orçamento para emendas de comissão, emenda para parlamentar. São R$50 bilhões em emendas parlamentares. A educação federal toda precisa de mais R$9 bilhões e não recebe, mas os deputados foram de R$ 20 para R$ 50 bilhões em emendas. Recursos tem, só que a prioridade não está nos trabalhadores e nas trabalhadoras. Então, se a gente não faz greve, se a gente não faz barulho, a gente não consegue arrancar o que é nosso por direito. Por isso a nossa luta é para melhorar a carreira e reter quadros de qualidade na universidade e por recursos para a instituição”.
Fotos de Elisângela Leite, renan Silva e Isabela Cunha