“O momento é da gente propor desafios com rupturas, ser ousado na nossa vida cotidiana e institucional. De olhar mais para as relações universidade e sociedade”. Com esta perspectiva, João Eduardo Fonseca, autor do livro “Novos atores na cena universitária”– uma obra de 1996 que redimensiona o papel do técnico-administrativo nas universidades — e primeiro integrante da categoria a assumir um cargo de pró-reitor (à época, sub-reitor de Pessoal), iniciou sua participação no debate do Sintufrj na sexta-feira, 17, dentro da programação do Festival do Conhecimento da UFRJ.

Gustavo Cravo, técnico em assuntos educacionais com de anos de UFRJ e oito atuando na Pró-Reitoria de Pessoal, enriqueceu o debate, cujo tema não poderia ser outro senão “Novos atores na cena universitária”. Ele falou da sua vivência e de como sente a UFRJ, da Espanha, onde conclui seu doutorado. Na opinião do servidor, o movimento dos técnicos de se qualificarem é muito bem-vindo neste momento de expansão da universidade e só assim poderão ajudar ainda mais na qualificação discente.Tanto em termos acadêmicos como em projetos de extensão.

Agenda combinada
Segundo João Eduardo, três agendas combinadas e articuladas se impõe atualmente às universidades, que sofrem assédio conservador: 1) Resistência –“a pandemia mostrou como a nossa universidade, como essas instituições são importantes como patrimônio da sociedade”; 2) Diagnóstico – “Da crítica e da autocrítica. As instituições cometem erros, tem imperfeições; 3) Formulação estratégica – “Não basta apenas defender o que tínhamos antes do recrudescimento dos ataques ideológicos neofascistas. Temos que, a partir do diagnóstico das nossas contradições e erros, formular estratégias de defesa e resistência, e com imaginação sobre o que podemos construir de novo”.

Dossiê
Para Gustavo Cravo nestes 100 anos existência da UFRJ, o trabalho técnico-administrativo é uma história que precisa ser contada. E adiantou que a pró-reitoria de pessoal pretende lançar um dossiê para ser publicado na revista da PR-4 reunindo um bom número de textos de diferentes modelos, como artigos, relatos de experiência, entrevistas.

Muitos servidores, segundo ele, estão se aposentando ou já se aposentaram e junto com eles vai parte da história da universidade, do seu fazer técnico e isso não pode se perder: “Todos que estão ouvindo, sintam-se convidados a participara da revista”, disse, mas por enquanto os interessados devem aguardar mais informações a respeito.

“É preciso bater palmas para João Eduardo por ele saber contar sobre o cotidiano da academia, do qual pouco se teoriza. E abre uma porta ainda pouco explorada”, disse Gustavo. E concluiu afirmando que é necessário pensar em estratégias não apenas para tocar o barco, mas para o que chamou de uma utopia (que sempre ajuda no caminhar): “Como fazer para que as pessoas cheguem felizes para trabalhar? É uma pergunta que levo comigo na cabeça”.

“O relato do Gustavo é animador”, disse João Eduardo, mencionando o nível de ocupação dos espaços colegiados, a presença de técnicos nas estruturas de governo na universidade e uma cultura administrativa voltada para um perfil mais solidário na instituição. Segundo ele, os elementos relacionados por Gustavo, como a revista e o Sintae, indicam avanços importantes em quantidade e qualidade. Mas, a seu ver, falta um salto para a compreensão pelos técnicos-administrativos em educação da sua função social como trabalhadores de uma instituição pública, que o movimento sindical ainda pode e deve dar.

Reedição do livro
Gustavo Gravo sugeriu que o livro de João Eduardo, “um clássico” de interesse público, mas com poucos exemplares disponíveis, tivesse o seu acesso facilitado em PDF (formato para visualização). O autor explicou que a proposta foi conversada com a coordenadora de Comunicação do Sintufrj, Marisa Araújo, que se comprometeu a conversar com a Editora da UFRJ para a disponibilização do PDF, e também trabalhar numa edição revista e atualizada por João Eduardo.

“Acho que falo por todo mundo que estava ansioso para a nova edição do livro, vai ser muito bom ver, trinta anos depois, uma reflexão a releitura de um processo histórico”, disse Gustavo.

Ressignificar
Marisa Araújo foi a mediadora do debate. Além de coordenadora do Sintufrj, ela também compõe a atual direção da CUT-Rio. Ela abriu o evento apontando que, nos 100 anos da UFRJ, os técnico-administrativos em educação com muita luta foram deixando para trás a condição de alienação e subalternidade, adquirindo a consciência de que são essenciais para a organização e a realização das atividades acadêmicas.

“Precisamos discutir e ressignificar o papel dos servidores recém ingressos para novos desafios e lutas. Eles precisam estar preparados para dar continuidade às lutas por conquistas econômicas, sociais e por respeito e dignidade”, afirmou a coordenadora sindical, lembrando que vivemos um sistema de governo de extrema-direita que, desde o golpe de 2016, vem atacando servidores de várias maneiras: “Precisamos dar conta disso e buscar novos patamares”, convocou.

Segundo Marisa, o livro de João Eduardo, fruto de sua pesquisa de mestrado editado em 1996, aborda o perfil da categoria dos anos 1980, e as várias lutas da época da conquista do Plano Único de Classificação e Retribuição de Cargos em Emprego (Pucrce), sem chegar a fase do atual Plano de Carreira do s Técnicos Administrativos em Educação (PCCTAE), mas que revela a situação de alienação da categoria até então e a inserção dela , na década de 1990, nos órgãos colegiados, ainda que em números discretos.

 

 

“Ciência, arte e cultura são campos que já costumam travar algum tipo de batalha contra barreiras disciplinares para poderem dialogar, mas nos últimos anos passaram também a enfrentar o cerco e o assédio, digamos, de teses obscurantistas. Tudo isso se complica mais nesse cenário de pandemia. Como avaliam esse momento, que limites ele impõe e que janelas podem abrir para pensar novas formas de diálogo entre ciência, arte e cultura na escola pública?”

Com estes questionamentos Corynto Baldez, jornalista da universidade, abriu o debate sobre o tema “Escola pública: uma articulação necessária entre ciência, arte e cultura”, que fez parte da programação do Festival do Conhecimento da UFRJ, na quinta-feira, 16. Ele com Daniel Gallo foram os mediadores da mesa, que reuniu as docentes Ana Medeiros, do Instituto de Biologia da Unicamp, e Celeia Machado, aposentada do curso de Artes Cênicas do Colégio de Aplicação da UFRJ.

Além de integrar o Festival do Conhecimento da UFRJ, o debate fez parte também da programação do Ciclo Tempos Inéditos, um projeto do Complexo de Formação de Professores, que é um espaço da estrutura média da universidade responsável por sistematizar e desenvolver iniciativas voltadas à formação inicial e continuada de profissionais da educação básica.

 Leveza 

“Essa ideia de pensar a ciência com a arte acho que é uma das grandes possibilidades de a gente conseguir trabalhar a ciência de uma maneira mais próxima das pessoas, tornando-a mais leve, pois a gente pensa a ciência como uma coisa muito séria. E a arte estabelece diálogos. Trabalhar isso dentro da escola é trabalhar o ensino de uma maneira geral, mostrando que existe toda uma interlocução da academia entre o ensino formal escolar e a vida das pessoas. Então é trazer um pouco mais de significado para o mundo; o conhecimento como uma grande ferramenta cotidiana”, refletiu Ana Medeiros.

Blogsunicamp –A professora participa de um projeto de divulgação científica que se chama Blogs de Ciência da Unicamp, criado em 2015 e que ganhou projeção fora dos muros da universidade. É o maior portal de canais de blogs científicos do mundo e reúne 151 canais. O nome nas redes é blogsunicamp.

É um coletivo de autores da universidade ou que passaram pela instituição e trabalham com a divulgação do conhecimento produzido. “A divulgação científica trabalha um pouco com essa ideia de tirar a universidade dela mesma e dialogar socialmente”, explicou Ana.

Para a pandemia foi montado um blog especial há 120 dias com novidades quase que diárias de todas as áreas de conhecimento. Inclusive tem um setor voltado para as escolas com materiais didáticos específicos da Covid-19.

Resistência

“Acho que a escola pública é a linha de frente dessa batalha. Os professores trouxeram como problematização o que é o ensino, o que é a escola, o que é o espaço escola. E a pandemia trouxe uma questão que é muito importante: a escola não é só espaço do conhecimento. Ela é um espaço também social, de merenda, de atendimento, do acolhimento deste aluno, da comunidade”, definiu Celeia.

 

“Os professores da escola pública  são uma resistência, porque eles têm denunciado o perigo que é as crianças estarem juntas na escola nesse período de pandemia e porque se recusam em dar aula presencial nesse momento, apesar da grande pressão do capital, que quer ver o aluno lá como se fosse uma grande empresa. A escola é hoje uma grande resistência contra essa política e contra o negacionismo,  e vem bravamente lutando”, acrescentou.

 

Na avaliação de Celeia, quem precisa da escola pública é a universidade e não a educação básica. A universidade precisa muito da escola para poder pensar sua licenciatura, pensar o seu conhecimento, pensar o seu lugar de saber como forma de se ampliar. Precisa conversar com os professores e escutar os alunos, disse.

.

Futuro

 

Apesar de todas as adversidades e políticas contrárias empreendidas para a educação, a ciência e a cultura pelo governo Bolsonaro, Celeia Machado vislumbra um futuro esperançoso pós-pandemia. “A arte, a ciência e a cultura, o que elas vêm colocar é que o riso, a curiosidade, a alegria é que movem o mundo. O afeto e as presenças movem o mundo. E acho que é isso o que pode ficar. Uma nova escola está se reinventando para o pós-pandemia”, acredita a professora.