*Matéria retirada do UOL 

O Ministério da Justiça colocou em prática em junho uma ação sigilosa sobre um grupo de 579 servidores federais e estaduais de segurança identificados como integrantes do “movimento antifascismo” e três professores universitários, um dos quais ex-secretário nacional de direitos humanos e atual relator da ONU sobre direitos humanos na Síria, todos críticos do governo de Jair Bolsonaro.

O ministério produziu um dossiê com nomes e, em alguns casos, fotografias e endereços de redes sociais das pessoas monitoradas. A atividade contra os antifascistas, conforme documentos aos quais o UOL teve acesso, é realizada por uma unidade do ministério pouco conhecida, a Seopi (Secretaria de Operações Integradas), uma das cinco secretarias subordinadas ao ministro André Mendonça.

A secretaria é dirigida por um delegado da Polícia Civil do Distrito Federal e tem uma Diretoria de Inteligência chefiada por um servidor com formação militar – ambos foram nomeados em maio por Mendonça.

Investida das atribuições de serviço de “inteligência” por um decreto do presidente Jair Bolsonaro, o de nº 9.662 de 1º de janeiro de 2019, a Seopi não submete todos os seus relatórios a um acompanhamento judicial. Assim, vem agindo nos mesmos moldes dos outros órgãos que realizam normalmente há anos o trabalho de inteligência no governo, como o CIE (Centro de Inteligência do Exército) e o GSI (Gabinete de Segurança Institucional).

Procurado pelo UOL, o ministério afirmou que integra o Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência) e que a inteligência na segurança pública faz “ações especializadas” com o objetivo de “subsidiar decisões que visem ações de prevenção, neutralização e repressão de atos criminosos de qualquer natureza que atentem contra a ordem pública, a incolumidade das pessoas e o patrimônio” (veja mais abaixo).

Dossiê foi repassado a órgãos políticos e de segurança do país

Além da PF e do CIE, o documento produzido pelo Ministério da Justiça foi endereçado a vários órgãos públicos, como Polícia Rodoviária Federal, a Casa Civil da Presidência da República, a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), a Força Nacional e três “centros de inteligência” vinculados à Seopi no Sul, Norte e Nordeste do país.

Os centros funcionam como pontos de reunião e intercâmbio de informações entre o Ministério da Justiça e policiais civis e militares que são recrutados pelo ministério.

Assim, o dossiê do Ministério da Justiça se espalhou pelas administrações públicas federal e estaduais e não se sabe a consequência dessa disseminação. Pode ser usado, por exemplo, como subsídio para perseguições políticas dentro dos órgãos públicos.

“Aliança popular antifascismo”

Na primeira quinzena de junho, a Seopi produziu um relatório sobre o assunto “Ações de Grupos Antifa e Policiais Antifascismo”. O relatório foi confeccionado poucos dias depois da divulgação, no dia 5 de junho, de um manifesto intitulado “Policiais antifascismo em defesa da democracia popular”, subscrito por 503 servidores da área de segurança, aposentados e na ativa, incluindo policiais civis e militares, penais, rodoviários, peritos criminais, papiloscopistas, escrivães, bombeiros e guardas municipais.

No manifesto, o movimento se diz suprapartidário e denuncia um “projeto de neutralização dos movimentos populares de resistência, propondo uma “aliança popular antifascismo”.

Segundo o manifesto, o movimento deveria ter participação de sindicatos, entidades de classe, movimentos populares, estudantes, artistas e outros. O documento pede ainda uma reação “às ameaças civis-militares de ruptura institucional”.

Poucos dias antes, em 22 de maio, o general e ministro do GSI, Augusto Heleno, havia divulgado uma “nota à nação brasileira”, na qual disse que a eventual apreensão do telefone celular de Jair Bolsonaro – tema de consulta do STF (Supremo Tribunal Federal) à PGR (Procuradoria-Geral da República) — poderia ter “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”.

Bolsonaro citou “marginais, terroristas” ao se referir a antifascistas

O manifesto foi usado pelo Ministério da Justiça para embasar a apuração sobre os servidores, mas não foi o único argumento. Em 31 de maio, protestos antifascistas ocorreram em capitais como São Paulo e Curitiba.

Os protestos foram alvo de um pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro no dia 5 de junho, mesmo dia do manifesto dos policiais antifascistas. Ele discursou numa solenidade em Águas Lindas (GO) contra “grupos de marginais, terroristas, querendo se movimentar para quebrar o Brasil”.

O relatório do Ministério da Justiça foi produzido menos de uma semana depois das declarações de Bolsonaro. Após citar os protestos de 31 de maio, o relatório afirma: “Verificamos alguns policiais formadores de opinião que apresentam número elevado de seguidores em suas redes sociais, os quais disseminam símbolos e ideologia antifascistas”.

O texto da Seopi menciona a época do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, quando foi divulgado um outro documento intitulado “Manifesto de policiais pela legalidade democrática”. O relatório da Seopi afirma que “74 agentes de segurança pública assinam o referido documento, o qual posiciona-se com as mesmas diretrizes que estão sendo difundidas atualmente com os antifas”, a abreviatura dos que integram os movimentos antifascistas.

579 nomes entraram na lista de antifascistas

A Seopi somou as assinaturas dos dois manifestos e montou um anexo, em tabela de arquivo Excel, com uma “relação de servidores da área de segurança pública identificados como mais atuantes”. Os 579 nomes foram divididos por estado da federação.

Além desse anexo, a Seopi incluiu os dois manifestos, de 2016 e 2020, uma série de “notícias relacionadas a policiais antifascismo” e cópias em PDF do livro “Antifa – o manual antifascista”, do professor de história Mark Bray, e de um certo “manual de terrorismo BR”.

Encontrado na internet e escrito em linguagem adolescente, esse “manual” diz ter receitas para fabricação de bombas caseiras e atos de “anarquia”.

A Seopi não faz qualquer explicação que permita ligar esse “manual” aos antifascistas. Não há registro de que “antifas” tenham participado de qualquer ato terrorista em território nacional.

Formadores de opinião do movimento foram monitorados

O relatório do Ministério da Justiça diz que “além desses servidores foi possível identificar alguns formadores de opinião, professores, juristas e o atual secretário de estado de articulação da cidadania do Pará [sic], defensores desse movimento”.

Os alvos, todos acompanhados de fotografias, são os professores universitários Paulo Sérgio Pinheiro (integrante da Comissão Arns de direitos humanos, presidente da comissão independente internacional da ONU sobre a República Árabe da Síria desde 2011, com sede em Genebra, nomeado pelo conselho de direitos humanos da ONU, ex-secretário nacional de direitos humanos no governo de FHC e ex-integrante da Comissão da Verdade); Luiz Eduardo Soares (cientista político, secretário nacional de Segurança Pública no primeiro governo Lula e co-autor do livro “Elite da Tropa” [Objetiva, 2006]); e Ricardo Balestreri (secretário estadual de Articulação da Cidadania do governo do Pará e ex-presidente da Anistia Internacional no Brasil). Há também um quarto nome da academia, Alex Agra Ramos, bacharel em ciências políticas na Bahia.

No relatório, a Seopi cita como “destaque na mídia” uma entrevista concedida por Pinheiro ao UOL em fevereiro de 2019 intitulada “Discurso violento de líderes cria clima de ‘liberou geral'”. Curiosamente, ao longo da entrevista Pinheiro sequer menciona as palavras fascismo, antifascismo ou antifascistas nem associa Bolsonaro e o governo a nada parecido.

Sobre Soares, a Seopi destacou um texto intitulado “apelo à unidade antifascista”, na qual ele fala em “ameaças seguidas de golpe por parte do garimpeiro genocida do Planalto” e vê o “avanço do fascismo”. Ele pede que a esquerda se una em torno da “ameaça”.

No seu relatório, a Seopi reproduziu ainda a página de Balestreri no Facebook e uma foto do secretário.

Policiais antifascismo dizem já haver retaliações

Dois policiais civis entrevistados pela coluna que integram o “movimento de policiais antifascismo”, Luiz Felipe de Oliveira Teixeira, 57, do Rio Grande do Sul, e Pedro Paulo Chaves, 34, do Rio Grande do Norte, disseram que agentes da segurança pública já vinham sofrendo retaliações mesmo antes do relatório da Seopi.

Em abril, um promotor de Justiça de Natal pediu a abertura de um inquérito após Chaves dizer num vídeo que eles iriam investigar a quebra da estratégia do isolamento social durante a pandemia por manifestantes pró-Bolsonaro que organizaram carreatas nas ruas de Natal e Mossoró.

Teixeira disse que, no Rio Grande do Sul, policiais que integram o movimento antifascista passam a ser preteridos em algumas operações, deixando de receber diárias de viagem. Além disso, comentários dos antifascistas em redes sociais podem render processos administrativos disciplinares.

Ambos concordam que os textos de Soares e de Balestreri são referências nos debates sobre antifascismo e segurança pública. “[Soares] investe muito num ponto que é realmente expressivo, que é a questão da cultura, como se pensa a polícia pela sociedade, o que se espera de um policial na sociedade. É um dos grandes problemas da segurança pública. É aquela visão do ‘policial jagunço’, que está ali para resolver os problemas de alguém em detrimento dos direitos e da integridade de um outro, que muitas vezes está numa situação de delinquente ou não, está inferiorizado economicamente.”

Chaves e Teixeira afirmam que o movimento é pacífico, tem cerca de 500 integrantes no país e começou a ganhar força em 2017, a partir de uma troca de experiências durante o Fórum Social Mundial daquele ano. Eles disseram que, para ser aceito como membro, o policial precisa ter algumas características. Segundo Chaves, tem que ser “antifascista, contra Bolsonaro e ser de esquerda”.

“Nosso antifascismo vem antes de Bolsonaro, é contra as instituições — basta ver como as coisas funcionam dentro de uma Polícia Militar — mas também do lado de fora, nas periferias, na guerra às drogas, na relação das polícias com a juventude. Nosso antifascismo não é contra Bolsonaro, ele que se aliou ao fascismo, então ele é um elemento de aversão”, disse Chaves.

Dossiê tem “acesso restrito” e poderia ficar em sigilo por 100 anos

Para contornar a LAI (Lei de Acesso à Informação), a Seopi carimbou os documentos sobre os antifascistas como “de acesso restrito”.

A LAI prevê três tipos de sigilo sobre uma informação produzida pelo Executivo: ultrassecreto (que deverá ser divulgada num prazo máximo de 25 anos), secreto (15 anos) e reservado (cinco anos).

Uma única menção a “acesso restrito” aparece na lei e no decreto que a regulamentou, o de número 7724/2012, no ponto que trata de “informações pessoais”. O artigo 55 do decreto diz que informações relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem terão “acesso restrito a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que se referirem, independentemente de classificação de sigilo, pelo máximo de cem anos”. Ou seja, segundo o critério adotado pela Seopi as informações que produziu só poderiam ser conhecidas daqui a um século.

Antes estrutura de apoio a investigações, Seopi age agora com foco político

Até janeiro de 2019, as atividades da Seopi eram desenvolvidas por uma coordenadoria. Na gestão do ministro Sergio Moro (2019-2020), e a partir do decreto presidencial 9662, de janeiro de 2020, a coordenadoria foi elevada a Secretaria.

O decreto de Bolsonaro que estabeleceu as competências da Seopi diz que cabe a ela assessorar o ministro “nas atividades de inteligência e operações policiais, com foco na integração com os órgãos de segurança pública federais, estaduais, municipais e distrital”. Afirma ainda que ela pode “estimular e induzir a investigação de infrações penais, de maneira integrada e uniforme com as polícias federal e civil”.

Durante o governo de Temer e parte do governo Bolsonaro, a coordenadoria de inteligência e depois a Seopi atuaram principalmente fomentando investigações, nos estados, sobre crimes como pornografia infantil, pedofilia e exploração sexual, o que resultou numa série de operações chamada “Luz na infância”.

Essas operações eram subsidiadas pelo Ministério da Justiça, mas desencadeadas pelas polícias civis nos estados, sob acompanhamento judicial. Os documentos obtidos pelo UOL mostram que a Seopi agora transbordou para o campo político.

Os chefes da secretaria

A Seopi é comandada desde maio por Jeferson Lisbôa Gimenes, um delegado da Polícia Civil do DF nomeado para o cargo por André Mendonça.

Sob o comando da Seopi está a Dint (Diretoria de Inteligência), chefiada por Gilson Libório de Oliveira Mendes, um ex-assessor especial do atual ministro da Justiça na AGU (Advocacia Geral da União) e também nomeado por Mendonça para o cargo.

Mendes tem muitas ligações com o meio militar. O currículo informa que ele se formou “mestre em aplicações militares” na EsAO (Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais), uma instituição de elite do Exército conhecida como “a casa do capitão”, em 1992, e foi bacharel em ciências militares pela Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), em 1982.

Em 2018, ele deu uma aula na Escola de Inteligência Militar do Exército, em Brasília. É sob o controle de Gimenes e Mendes que se desenvolve a ação contra os servidores antifascistas.

Posição do Ministério da Justiça

O Ministério da Justiça e Segurança Pública foi procurado pelo UOL com uma série de indagações, como a origem e o destino do levantamento, se o ministro André Mendonça autorizou ou teve conhecimento do trabalho, quais são os objetivos e os resultados do levantamento e por que houve a inclusão de um “manual de terrorismo” entre os anexos, já que não há registro de atividades “terroristas” praticadas por movimentos antifascistas em território nacional.

O ministério preferiu não responder às dúvidas pontuais e emitiu a seguinte nota, que segue na íntegra:

“O Sistema Brasileiro de Inteligência (instituído pela Lei nº 9.883/1999) é responsável pelo processo de obtenção, análise e disseminação da informação necessária ao processo decisório do Poder Executivo. A atividade de Inteligência de Segurança Pública é realizada por meio do exercício permanente e sistemático de ações especializadas para identificar, avaliar e acompanhar ameaças potenciais ou reais. O objetivo é subsidiar decisões que visem ações de prevenção, neutralização e repressão de atos criminosos de qualquer natureza que atentem contra a ordem pública, a incolumidade das pessoas e o patrimônio. Como agência central do Subsistema de Inteligência de Segurança Pública (Decreto 3695/2000), cabe à Diretoria de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça e Segurança Pública, como atividade de rotina, obter e analisar dados para a produção de conhecimento de inteligência em segurança pública e compartilhar informações com os demais órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência.”

 

O ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, nomeou os chefes da Seopi, que vem fazendo trabalho similar ao de GSI e CIE dentro do ministério Imagem: Ueslei Marcelino

 

“O racismo digital, que envolve o racismo algorítmico, e que causa discriminação em código e microagressões está crescendo. (Ele) é diariamente disseminado como via de segregação e discriminação em todas as suas formas. Os dados de pessoas negras estão sendo utilizados para esse fim.” A denúncia foi feita por Ana Carolina Lima, que integra a Comissão de Proteção de Dados e Privacidade da OAB-RJ, durante debate do Festival do Conhecimento da UFRJ, na sexta-feira, 24 – último dia do evento.

“Democracia, redes sociais e proteção de dados”foi o tema da mesa, da qual também participou a influenciadora digital e professora do Cefet-RJ Elika Takimoto, com mediação do professor da Faculdade Nacional de Direito, Daniel Capecchi. Segundo ela, é preciso ter muito cuidado com a internet para fazer valer as leis. E citou como exemplo a campanha de Jair Bolsonaro, que foi baseada nas fake news.

“Espero que tudo seja apurado e inclusive a chapa caçada pelo bombardeio e o compartilhamento em massa de mensagens falsas, as famosas fake news. Utilizaram termos como mamadeira de piroca e kit gay, passando essas mensagens e dizendo, inclusive, que Fernando Haddad era pedófilo. Tudo para assustar a população”, disse Takimoto, que falou sobre o papel das redes sociais na esfera política.

Racismo digital

Segundo Ana Carolina, não há controle dos dados. “Estamos soltos no cyber espaço. Largamos por aí um conjunto de informações pessoais e preferenciais cotidianamente. Deixamos rastros em forma de dados virtuais para trás e que nos identificam de várias formas”.

“A todo momento os nossos passos estão sendo monitorados. Os nossos dados constituem a nossa identidade e o nosso direito à cidadania, como somos vistos e julgados. Seus dados são você e se você não controla suas informações pessoais está perdido. Porque eles serão controlados por alguém”, alertou.

“Proteção e privacidade de dados para quem? Desde que me tornei membro da Comissão de Dados e Privacidade da OAB me faço essa pergunta. Não tenho uma noção completa de quantos cadastros com meus dados estão espalhados pela cidade? E também não tenho noção de quantos já violados os meus dados de direitos humanos”, acrescenta.
Segundo Ana Carolina, proteção de dados significa estabelecer as regras em relação o que pode ser feito ou não com as nossas informações. É como se fosse um manual de instruções, não só para proteger a pessoa por trás dos dados, mais também gerar confiança entre os cidadãos, as organizações públicas e privadas.

Direita domina

A influenciadora digital chamou a atenção para o discurso de Bolsonaro, que segundo ela é muito fácil de ser absorvido pelas pessoas. “Porque mexe num preconceito que estava enraizado na sociedade e que a esquerda vinha levando muito tempo para desconstruir. Bolsonaro polariza a sociedade e dificulta o diálogo, se fortalecendo e aumentando a sua bolha. Quando fala que tem o remédio para a Covid, ele fala o que as pessoas quem ouvir, não importa se é verdade ou mentira. Às vezes esse mundo em que eles estão (os seguidores de Bolsonaro) é mais cômodo de se viver do que o mundo em que a gente está. No nosso mundo a gente precisa se preocupar com mais de 80 mil mortos e com a contaminação.”

Elika Takimoto disse que é preciso incluir os excluídos digitais também, os quais a direita doutrina através do fundamentalismo religioso. “Temos que incluir mais. Muitas revoluções estão acontecendo na internet e uma camada da sociedade está sendo excluída. Está sendo excluída digitalmente, mas não está sendo esquecida pela direita. É onde entra o fundamentalismo religioso, vide bancada evangélica no Congresso, que se associa a esse movimento de direita, conservador e fascista”, concluiu.

Qual a importância da relação entre a universidade e os movimentos sociais? Paulo Fontes, professor do Instituto de História (IH) e atual diretor da Universidade da Cidadania da UFRJ, convidou quatro representantes de movimentos sociais para o painel que debateu o tema, no Festival de Conhecimento.
Na avaliação dos ativistas a mão tem que se dupla: os movimentos têm que estar nas universidades de maneira organizada, articulada para tornar a universidade mais diversa e múltipla na relação com o conhecimento.

Participaram do debate Virginia Berriel, diretora executiva da CUT, Ariovaldo Ramos, um dos fundadores da Frente de Evangélicos Pelo Estado de Direito, Alessandro Conceição, ator e ativista do Centro do Teatro do Oprimido (CTO) e Nelson Bernardes, da direção nacional do MST no Rio de Janeiro.

Ataques
Paulo Fontes apresentou a Universidade da Cidadania, órgão suplementar vinculado ao Fórum de Ciência e Cultura (FCC) da UFRJ, que realiza atividades de formação, pesquisa e extensão na busca do intercâmbio da instituição com os movimentos sociais e conhecimentos populares. “Não tenho dúvida que a transformação que ocorreu nos últimos anos nos governos populares é agora objeto de ataque, fundamentalmente porque tem muito a ver com esta relação de construção com a sociedade. Um ataque que vem como negacionismo, anticonhecimento, antiintelectualismo e que afeta fundamentalmente a vida humana como vem acontecendo durante a pandemia”, disse o professor.

Conhecimento
Virginia Berriel que também é dirigente dos Sindicatos dos Trabalhadores em Telecomunicações e dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro e integrante do movimento Humanos Direitos (MHuD), considerou a articulação das universidades com os movimentos sociais como sendo de extrema importância nesta atual pior fase da história do país, de restrição e de desmonte da classe trabalhadora.

Como exemplo, ela citou a parceria da UFRJ para a constituição do Arquivo de Memória Operária do Rio de Janeiro: “Quem nos dá essa formação são as universidades e os centros da classe operária”, apontou. Virgínia defendeu uma articulação do mundo acadêmico com movimentos sociais para combater a retirada de direitos e o fascismo: “A verdade não é mais verdade, mas o que eles estão escrevendo. E nessa pós-verdade, nada está normal neste momento, e nós precisamos fazer o enfrentamento com conhecimento, com disposição e articulação”.

Arte
O ativista negro e também jornalista, Alessandro Conceição, contou como foi formado o Centro do Teatro do Oprimido (CTO), local de poesia e cultura em geral, e integra o movimento das organizações que preconizam a transformação social através da arte. Pensar os movimentos sociais como produtores de conhecimento para um mundo melhor, assim como ocorre em relação às universidade. Considerou como muito importante.

“A gente acredita que o conhecimento é para todo mundo e uma universidade conectada com o social promove ações sociais”, disse. Alexandro solicitou apoio para que os projetos tocados pelo CTO não acabem, por conta da pandemia. Quem se interessar em colaborar com o Centro deve acessar: https://benfeitoria.com/vivacto

Periferia
Em 2016, o pastor Ariovaldo se uniu a outros pentecostais para fundar a Frente de Evangélicos Pelo Estado de Direito. A Frente, contou, reúne crentes que defendem a justiça, o direito e a democracia e nasceu para fazer contraponto à adesão crítica de dois terços da igreja evangélica ao movimento o golpista que “injustamente tirou da presidência da República Dilma rousseff e também para demarcar oposição à pretensa representatividade reivindicada pela bancada evangélica, que participou ativamente do golpe, e o mais importante, assinalou: realizar um trabalho de conscientização.

“O governo popular ( governos petistas) trouxe a possibilidade da universidade para os povos da periferia, os empobrecidos. Isso foi um movimento revolucionário, principalmente para os evangélicos, que aproveitaram a política de cotas, a criação de mais universidades e escolas públicas. Após o golpe, houve o desmonte do sistema de educação brasileiro, dos sindicatos, da cidadania e da Nação. Para nós, a universidade é um direito e as portas desdsas instituições têm que ser escancaradas para o acesso do povo e para conversar com todos os fóruns de promoção e produção de conteúdo. Por isso a universidade da cidadania nos honra muito”, concluiu o pastor.

MST
Fundador da CUT, Nelson Bernardes explicou que o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) luta Há mais de três décadas pela democratização da propriedade da terra no Brasil, segundo país do mundo em concentração de terra.

Segundo o militante, os movimentos sociais têm travado uma luta intensa contra o latifúndio improdutivo, e diversos setores da universidade garantem o apoio à luta, inclusive jurídico. “A universidade tem papel importante também na formação do pensamento crítico para um país soberano e livre, mas precisa derrubar os muros do saber”, opinou.

“A universidade pega o saber e leva para sua pesquisa, mas isso tem que ser devolvido para a sociedade. Não pode ser distribuído só para alguns apadrinhados”, disse ele, citando como exemplo a pesquisa sobre a agricultura que privilegia o agronegócio e não a agricultura familiar. Na concepção de Nelson, não existe conhecimento ou ciência neutros: “Tem um lado, que pode ser do povo ou do capital. A universidade tem que sair dessa indecisão e apoiar os interesses populares”, afirmou o dirigente.